Com mais de 20 pontos acumulados na carteira de habilitação, o secretário municipal de Trânsito de Curitiba, Marcelo Araújo, devolveu nesta segunda-feira (16) seu documento ao Detran e se licenciou do cargo para fazer o curso de reciclagem de motoristas para poder voltar a dirigir. No período em que estará com a habilitação suspensa, o secretário afirma que vai andar de bicicleta e que vai aproveitar para melhorar o rendimento físico – Araújo é triatleta e participa de competições estaduais. Apesar do frio, no primeiro dia de curso ele cumpriu o plano e foi pedalando até o Guabirotuba, onde teve a “aulinha” sobre regras de trânsito.
A atitude do secretário foi tomada um dia após o colunista da Gazeta do Povo Celso Nascimento
“Imagine que em 2004 você tinha uma dívida de R$ 50 que você ou pagou ou provou que não devia. O mesmo teria ocorrido em 2005, 2006 e 2007, ou seja, você pagou ou provou que era indevida. Agora alguém vem falar que você tem dívida de R$ 200”, compara. Segundo ele, sua situação nunca esteve irregular. “Ninguém é obrigado a entregar a carteira sem esgotar todas as instâncias”, defende.
Ainda que nos trâmites jurídicos seja possível recorrer das multas e reverter os pontos – direito assegurado a qualquer motorista – Araújo fez a coisa certa ao desistir dos recursos e se submeter à lei. Como autoridade de trânsito, ele deve ser o primeiro a dar o exemplo. “É a coisa certa a ser feita”, reconhece.
Aliado da Bicicleta
Marcelo Araújo é um defensor da bicicleta dentro do governo municipal. Um dos poucos, infelizmente. Mantém um canal de diálogo aberto com os cicloativistas e, como também pedala, entende a necessidade de garantir espaço da bicicleta dentro do sistema de trânsito da cidade. Mas, nem por isso, deve deixar de ser cobrado pelo que faz quando está atrás de um volante ou dirigindo um importante órgão do Executivo municipal.
Pelo contrário. Assim como o papel dos agentes da Setran é fiscalizar a ação dos motoristas nas ruas da cidade, o papel da imprensa é fiscalizar, com ética e responsabilidade, a ação dos agentes públicos.
Araújo e eu conversamos frequentemente sobre a questão da bicicleta e do trânsito em Curitiba. Concordamos em muitos pontos e discordamos respeitosamente em outros. Já divergimos publicamente sobre a questão da fiscalização durante o 2º Fórum Curitiba de Trânsito. Particularmente, defendo que o fiscal da Setran tenha o dever e a obrigação de fiscalizar e multar motoristas que não respeitam o direito do ciclista compartilhar as ruas com segurança.
Além das distância de 1,5 metro, isso inclui não reduzir a velocidade durante a ultrapassagem; dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis à segurança; deixar de deslocar, com antecedência, o veículo para faixa mais à direita, dentro da respectiva mão de direção, quando for manobrar; e, deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito ao ultrapassar ciclista.
Em São Paulo, três motoristas são multados diariamente pelo descumprimento dessas regras. Em Curitiba, foram apenas 4 em mais de três anos e meio – período em que mais de 50 ciclistas morreram nas ruas da cidade. Ao meu ver, isso não está certo. Mas existem argumentos técnicos e jurídicos que sustentam essa forma de atuação da Setran.
Desde que assumiu o cargo, Araújo promoveu ações significativas em favor da bicicleta na cidade, como a criação da ciclopatrulha da Setran, o 2º Fórum Curitiba de Trânsito — focado na mobilidade por bicicletas — e as campanhas de respeito ao artigo 201 do CTB (lei do 1,5 metro) no mobiliário urbano e nos painéis do Anel Central da cidade.
Por outro lado, ele ainda tem compromissos em aberto, como a implantação das melhorias acordadas com os ciclistas na ciclofaixa da Marechal Floriano (o que inclui a fiscalização de carros que estacionam sobre a ciclovia, descumprindo o artigo art. 181 inc. VIII do CTB) e a intervenção em 8 pontos críticos das ciclovias que cruzam o centro da cidade.
O secretário é bem intencionado, mas tenta tratar o entupimento das artérias de uma cidade à beira de um infarto fulminante provocado pelo excesso de carros com doses de homeopatia, quando na verdade os casos graves exigem intervenção cirúrgica urgente seguida de radical mudança de hábitos.
É a uma secretária de Trânsito que pode ser atribuída a transformação de Nova York em uma cidade amiga das bicicletas. Em 2007, após seguidos protestos populares, o prefeito Mike Bloomberg nomeou para o cargo de chefe do departamento de transportes a cientista política Janette Sadik-Khan, uma ambientalista comprometida com a redução dos insuportáveis congestionamentos urbanos através do uso da bicicleta.
Em três anos, ela construiu 440 quilômetros de ciclovias na cidade, na maioria pistas protegidas com calçadas dos dois lados, fechou ao trânsito grandes trechos da Broadway, distribuiu gratuitamente 30 mil capacetes para segurança dos ciclistas e mudou o espaço urbano, transformando NYC, em tão pouco tempo, numa cidade bike-friendly. Resultado: de 2010 para 2011, cresceu em 14% o número de ciclistas nas ruas da cidade.
Marcelo Araújo não é uma versão curitibana da Janette Sadik-Khan. Mas, se quiser, tem a chance de revolucionar o trânsito de Curitiba e torná-lo mais amigável às bicicletas. Só depende dele.
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