Nesta quarta-feira (16) chegamos à Luxor para o primeiro dia de descanso desde o início do Tour d´Afrique. Descanso merecido: foram 768 quilômetros percorridos em apenas seis dias de pedal – uma média, nada desprezível, de 128 km/dia.
O primeiro dia após deixarmos Safaga foi o mais difícil do Tour (até agora) – nos primeiros 50 quilômetros, encaramos um trecho com 890 metros de elevação e vento forte soprando contra.
Nestas condições, não há marcha capaz de te dar um bom rendimento e parece que você pedala, pedala e não sai do lugar – tanto que a média, que no dia anterior havia passado dos 32km/h, dessa vez caiu para 12 km/h nesse trecho.
E, para piorar, tive um inflamação em um tendão da perna direita que está doendo horrores. A região está inchada e, a cada pedalada, é como se tivesse uma agulha entrando e saindo da minha perna. Estou tentando tratar com pomada de Diclofenaco e tomando Nimesulida como se fosse M&Ms para aliviar um pouco a dor. Mas é preciso encarar também esse tipo de contratempo: ninguém falou que seria fácil. Além do mais, não há glória sem sacrifício.
Nos dois dias seguintes, percorremos o deserto Arábico — que faz parte do Saara oriental. O trecho exigiu bastante da parte física, mas não retribui com nada.
No início, a paisagem e o silêncio do deserto são fascinantes – mas, depois de um tempo, enjoa. Não há nada para se ver além da estrada, o horizonte, areia e pedras.
Em uma venda de beira de estrada (feche os olhos e tente imaginar o que é uma venda de beira de estrada no interior do Egito!) – parei apenas para esticar um pouco as pernas quando um jovem se aproximou.
Tentei iniciar uma conversa com algumas palavras em inglês, mas sem sucesso. Partimos então para a linguagem dos gestos e sinais: apontei para mim, dizendo meu nome e ele fez o mesmo, se identificando como Mahmud.
Disse a ele que vinha do Cairo. Ele apontou para a bicicleta, fascinado, e disse alguma coisa em árabe – claro que eu não entendi.
Arrisquei então uma das três palavras que sei no idioma: darraja (bicicleta). Ele sorriu surpreso e exclamou: darraja!
Ofereci então minha “darraja” para ele dar uma volta e ele aceitou, fascinado. Apontei novamente, perguntando se ele tinha uma bicicleta e ele, fazendo sinal de afirmativo com a cabeça e apontou para o câmbio, indicando que a dele só tem uma marcha.
Antes te voltar para a estrada, o saudei com um “shokran” (obrigado), seguido de “Salam aleikum” (que a paz esteja convosco), gastando assim, de uma só vez, todo o meu parco vocabulário arábico.
A noite acampamos ao lado de uma estação de água, no meio do deserto, responsável pela captação no lençol freático, tratamento e distribuição para as cidades do estado de Qena. A área é vigiada por um posto policial e por guardas armados com AK-47.
Os guardas foram bem solícitos e até deixaram que usássemos o banheiro e o chuveiro, garantindo assim banho por dois dias consecutivos! Eles também nos ofereceram uma frutinha local, chamada Nabak — que tem tamanho de uma acerola, é amarela, cítrica e amarra a boca, como banana verde. Descobri depois que a fruta é usada para produzir uma bebida narcótica!). Junto com os guardas também fumamos a chicha (narguilé), com um tabaco melado e de cheiro fortíssimo. Mesmo não sendo fumante, resolvi experimentar.
Na manhã seguinte saímos do estado do Mar Vermelho para o de Qena e deste para o de Luxor. Na metade do sexto dia deixamos para traz a parte desértica e reencontramos áreas agricultáveis e povoadas ao longo do leito no Rio Nilo.
Foram mais de 100 quilômetros de estrada margeada por casas e plantações, irrigadas por canais com a água bombeada do velho Nilo– tomate, arroz, feno e cana de açúcar, produção transportada em carroças puxadas por jumentos ou por comboio de tratores.
Na reunião do dia anterior, fomos alertados sobre o risco que teríamos ao passar por essa área povoada. As crianças locais, ao verem seres tão “diferentes”, costumam tacar pedras e até mesmo tentam derrubar os ciclistas.
E eu dei azar: logo na entrada da cidade de Qena, um grupo de mais ou menos seis garotos, um deles puxando um jumento, tentou fechar minha passagem em uma rua empoeirada. O maior deles – que devia ter por volta de uns 15 anos –, coçou o indicador com o polegar e pediu: “money”.
Fiz cara feia e parti para cima, como se fosse jogar a bicicleta para cima deles, e eles acabaram recuando. Não sem depois tentarem me acertar com algumas pedras – mas, felizmente, nenhuma me acertou.
Logo adiante, crianças mais pacíficas. Muitas saudavam e acenavam da outra margem ao nos verem passando, gritando saudações em árabe e “hallo”. Um ou outro grupo ainda insistiu com a tática das pedras. Também cheguei a levar duas ou três chibatadas no lombo com uma varinha de um grupo de meninos, mas, acredito eu, foi mais de molecagem, como quem toca o animal de uma carroça, do que para machucar.
Apuro mesmo passei alguns metros após o posto policial do estado de Luxor. Um trator carregado de cana de açúcar que passava no sentido contrário com umas dez pessoas no alto da carroceria e um garoto espírito de porco resolveu jogar contra mim um pedaço de cana-de-açúcar. Consegui desviar entrando na pista, mas quase fui atropelado por uma van, que passou a poucos metros em alta velocidade.
Xinguei, em português, todas as gerações do menino egípcio, mas, para ter certeza de que ele entendeu pelo menos alguma coisa, fiz para ele o gesto universal com o dedo médio levantado.
Em Luxor, no hotel, fomos recebidos por uma comitiva do governador do estado, Ezzat Saad, com uma equipe de assessores e puxa-sacos de toda sorte. Como era de se esperar, ele trocou algumas palavras com seu inglês egípcio, tirou fotos os os ciclistas e deu tapinha nas costas. Político, no fim das contas, é igual em qualquer lugar do mundo…
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