Vai ter Bicicletada? Tudo bem, mas tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado e autorizado pelo órgão executivo de trânsito se quiser pedalar.
Eventos ciclísticos utilizando vias públicas somente poderão ser realizados em rotas, dias e horários previamente autorizados a partir de solicitação expressa formulada pelos organizadores do evento. É isso o que prevê o artigo 16º do projeto de lei nº 1346/11, que cria o Estatuto dos Sistemas Cicloviários.
No início dessa semana, publiquei um post aqui no blog sobre a aprovação desse projeto em uma das comissões da Câmara dos Deputados.
A avaliação foi positiva e confesso que a iniciativa me encheu de esperança e renovou minha fé na Democracia representativa. Mas…o detalhe do artigo 16º passou despercebido.
Quem chamou a atenção para essa aberração jurídica foi minha colega de blog e de bike Livia Araújo, do Bike Drops.
As Bicicletadas, também chamadas de Massa Crítica, se reúnem livremente uma vez por mês em mais de 350 cidades ao redor do mundo para divulgar o uso da bicicleta como meio de transporte.
Para se ter uma ideia, nem na Rússia de Vladimir Putin os ciclistas precisam de autorização prévia para promover esses encontros. Mas, no Brasil, as Bicicletadas só poderão ocorrer após autorização oficial caso o projeto do deputado Lucio Vieira Lima (PMDB-BA) seja aprovado.
Isso é extremamente preocupante. Na sociedade apática e individualista em que vivemos, as Bicicletadas aparecem como um dos poucos espaços de manifestação e livre exercício da cidadania.
Como bem lembrou o jornalista Álvaro Borba, da Rádio CBN Curitiba, a administração municipal de Curitiba enfrenta hoje uma oposição mais forte dos ciclistas do que dos próprios vereadores, eleitos justamente para fiscalizar o Executivo municipal.
Porém, diante de uma Câmara Municipal inerte até mesmo diante de casos de corrupção que a correm por dentro, a única oposição vem das ruas, manifestada por cidadãos sobre duas rodas que gritam, cobram e exigem a valorização do espaço público da cidade.
Isso ficou evidente no Dia Mundial Sem Carro, quando 1,2 mil ciclistas tomaram as ruas do centro da cidade. Ou quando 300 manifestantes foram às ruas demonstrar insatisfação com a política da prefeitura e sua Ciclofarsa – manifestação que acabou, literalmente, tirando o sono do prefeito Luciano Ducci (PSB).
As Bicicletadas acontecem de forma espontânea e a obrigatoriedade de exigir autorização prévia seria limar da população a liberdade de uso do espaço público.
Há de se ponderar que PL n° 1346/11 traz avanços importantes e valoriza a bicicleta como meio de transporte.
Por isso, cabe aos movimentos cicloativistas fazer pressão pela derrubada ou veto do referido artigo, ou mesmo pela apresentação de um substitutivo para que a liberdade de manifestação da qual gozam os ciclistas do mundo todo não seja usurpada dos ciclistas brasileiros.
Atualização (22h00)
Questionado por leitores do Ir e Vir de Bike, o deputado Lucio Vieira Lima (PMDB-BA) respondeu, através de sua conta no Twitter:
“A Bicicletada é um movimento onde ciclistas se juntam para reivindicar seu espaço nas ruas, que é justamente o que o PL procura garantir.
Em nenhum momento ficou proibida a Bicicletada. O que o art. 16 trata é dos eventos ciclísticos, como por exemplo as chamadas ‘voltas ciclísticas internacionais’ que já teriam obrigatoriamente de obter autorização nos órgãos públicos.
Com o PL, a autorização é simplificada apenas ao órgão executivo de trânsito, dando, assim, maior organicidade ao evento em conjunto com as medidas protetivas ao trânsito e aos participantes do evento.
Se não ficou claro, não me furtarei ao debate e se convencido propor as mudanças necessárias,uma vez que o objetivo é o beneficio e não o contrário!
De qualquer forma já está havendo o debate sobre o tema, o que é de suma importância! Agradeço a participação de todos no debate!
Na verdade, a Bicicletada não é um evento ciclistico, mas verei como deixar mais claro o art. 16 durante a tramitação do PL.
Gostaria de esclarecer que enviei a proposta do PL para as diversas associações e entidades as quais conseguir contato.
Estou totalmente aberto ao debate e acolhimento de sugestões.
Deputado federal Lucio Vieira Lima (PMDB-BA)”
Comentário
Como já escrevi anteriormente aqui neste espaço, a iniciativa do PL é louvável e tem a simpatia e o apoio dos movimentos cicloativistas. O art. 16, entretanto, precisa ser revogado e/ou reformado pois dá margem para abusos autoritários contra as Bicicletadas.
Além disso, a iniciativa pode ter sua constitucionalidade contestada, pois fere cláusulas pétreas garantidas no artigo 5º da Constituição, como liberdade de manifestação e de associação, independentemente de censura ou licença prévia.
Mobilize-se
Fale com o deputado Lucio Vieira Lima via Twitter ou mande um e-mail pelo site da Câmara dos Deputados.
Saiba mais
Comissão da Câmara aprova “Estatuto das Ciclovias”
Baixe o arquivo em PDF e leia a íntegra do PL nº1346/11
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