O candidato do PDT à prefeitura de Curitiba, Gustavo Fruet, avalia que a cidade está atrasada na adoção de políticas públicas de incentivo ao uso da bicicleta como meio de transporte. Para ele, o tema não tem mais volta e, qualquer que seja o prefeito eleito, a próxima administração vai ter de dar conta dessa demanda. “Esse é um tema que já estava no ar, várias cidades tomaram a iniciativa, vários movimentos se manifestando, mas a prefeitura se posicionou ao contrário. Já estamos atrasados nisso, tem de fazer e que sirva de lição”, avalia.
Em seu projeto, Fruet apresenta como meta 300 quilômetros de ciclovias — sendo 150 deles paralelas às canaletas, usando as via lentas das estruturais — além de eixos no anel central e nos centros de bairros. Ele também garante que, se eleito, vai pedalando para tomar posse no dia 1º de janeiro de 2013. “Esse também é o papel de um prefeito. É preciso mostrar que aquilo é pra valer. O gesto respalda um papel de liderança”, afirma.
Fruet é o primeiro entrevistado na série do blog Ir e Vir de Bike com os candidatos è prefeitura de Curitiba. Confira a entrevista na íntegra:
Pessoalmente, você acredita no uso da bicicleta como meio de transporte? Qual o papel que terá a bicicleta na sua administração, caso seja eleito prefeito de Curitiba?
Fruet: Sim, acredito. Não é, claro, a bicicleta que sozinha vai permitir a qualidade de deslocamento para toda a população. Não é isso. Mas ela vem se incorporar em um tema que entra na agenda das cidades, e isso já é um ganho quando se fala em mobilidade.
A bicicleta é um modal importante que deve ser incentivado principalmente em trechos de menor distância e isso é possível, ao mesmo tempo em que pode ser um modal complementar em maiores distâncias.
Fundamentalmente o desafio do próximo gestor é investir em infraestrutura e educação. Ao se trabalhar a questão dos ciclistas é preciso valorizar a acessibilidade, a questão dos pedestres e evitar que haja uma concorrência, para que sejam modais complementares.
É preciso mostrar que é possível, mas, mais do que isso, é um processo cultural, das pessoas entenderem que o espaço urbano e as grandes cidades não vão conseguir ter uma vida sustentável se nós ficarmos com os mesmos referenciais do incentivo ao uso do carro como meio de transporte individual.
Quando e onde foi a última vez que você pedalou?
Sábado [dois dias antes da entrevista], no centro da cidade, com os ciclistas da CicloIguaçu para a assinatura da carta de compromisso. Com o mandato [de deputado federal], em Brasília, eu tinha outros hábitos, praticava muito mais esportes, caminhava e também pedalava mais.
Mas procuro manter uma certa frequência. É evidente que [a freqüência] não é diária, mas de qualquer maneira, é um gesto. Para quem quer liderar um processo na cidade, esse simbolismo vale mais do que muitas palavras.
Durante essa pedalada, foi possível perceber que você ficou pouco a vontade em determinados momentos, principalmente quando em meio aos veículos e quando um ônibus passou acelerando muito próximo ao grupo de ciclistas, lhe deixando assustado. Essa experiência o fez repensar a importância de o poder público garantir segurança aos usuários da bicicleta?
Só fez aumentar. Fiquei assustado porque tinha crianças no grupo. Era um grupo pequeno e a gente não tinha nenhum esquema de segurança. Deu para ver que estávamos no limite, concorrendo com outros veículos. Às vezes, por um descuido, é evidente que é muito mais vulnerável quem está sobre uma bicicleta.
O objetivo desse grupo foi mostrar as deficiências, em especial no anel central. A gente fala muito do centro tradicional e do centro expandido. É possível estabelecer um anel em um raio de entre três e quatro quilômetros, com uma melhor infraestrutura, uma melhor sinalização e a definição de algumas áreas que poderão ser definidas como exclusivas para os ciclistas e algumas áreas com uma forte sinalização para garantir a segurança.
Essa é uma condição: eu convido as pessoas que vão trabalhar com isso na Urbs, Ippuc e na Secretaria de Trânsito que, com maior frequência, façam pedaladas.
Hoje, você deixaria seus filhos, netos ou sobrinhos irem pedalando para o colégio? Como homem público, estimularia a família curitibana a fazer o mesmo?
O desafio é dar essa garantia. Acho que, como líder em um processo, como gestor, o desafio vai ser passar essa credibilidade e essa segurança para que um pai e uma mãe possam deixar o seu filho ir de bicicleta para a escola. Hoje, não há essa segurança e o risco é muito grande.
Seu plano de governo, registrado no TRE, critica a atual rede cicloviária, que tem 118 quilômetros, a maioria formada pelos chamados “passeios compartilhados”. Fala também em “ampliar a oferta de ciclorrotas (ciclovias, ciclofaixas, e caminhos compartilhados) e bicicletários e paraciclos, criando uma rede de bicicletas integrada com todos os modais”. Quais são suas estratégias, planos e metas para tornar o trânsito de Curitiba mais amigável ao uso da bicicleta?
São várias frentes, não dá para se dizer que haja uma prioridade. A primeira delas é trabalhar muito forte no processo de educação e incentivo ao uso do modal, com campanhas. É possível trabalhar nisso respeitando o pedestre e o ciclista.
Segundo ponto: infraestrutura. É possível trabalhar para se criar esse anel na área central com mudanças, inclusive, na altura das calçadas, forte sinalização e algumas áreas compartilhadas. Também é importante fazer com que a calçada seja atrativa para o pedestre para evitar que o pedestre use as ciclovias para deslocamentos. Trabalhar com pequenos percursos em centros de bairros, aproximar as pessoas de seus locais de trabalho, estudo e de sua casa com locais de lazer.
Terceiro ponto: fortalecer e recuperar a rede cicloviária existente. O quarto ponto são os grandes investimentos, principalmente nas vias estruturais [paralelas às canaletas]. Hoje são cerca de 80 quilômetros, cerca de 160 quilômetros ida e volta.
E trabalhar em vias, como a Visconde de Guarapuava, ganhar esse espaço para compensar as lentas das estruturais. Até porque entendo que é um equívoco compartilhar espaço em locais que têm veículos com uma média de velocidade alta, o que acaba aumentando o risco.
Estabelecemos como meta 300 quilômetros e é possível chegar usando as estruturais, o anel central e evidentemente os centros de bairros. Em uma segunda etapa, a ideia é partir para essas ligações. Até porque, não dá para imaginar que os usuários vão fazer grandes deslocamentos pela cidade. Vamos começar com os deslocamentos regionais e depois fazer essa ligação para integrar a rede.
O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, ao ser questionado sobre a retirada das áreas de estacionamento na capital colombiana para implantação de ciclofaixas, fez o seguinte comentário: “Estacionamento não é responsabilidade minha, é um problema privado. Eu também não digo onde você guarda sua roupa. O estacionamento não é um direito adquirido em nenhuma Constituição do mundo, ao contrário do direito de ir e vir”. Você concorda com essa interpretação?
Concordo, mas é bom lembrar as questões que ele abordou, que são mais abrangentes. Temos que nos lembrar que há um custo para se viver em um ambiente urbano. Então, qual vai ser a prioridade desse espaço público? Vai ser a valorização só do transporte individual ou vai ser, de alguma maneira, usar aquele espaço para a harmonia, para humanizar e pensar no transporte coletivo?
Então, o que eu defendo, inclusive nesses anéis que podem ser feitos na cidade, são canaletas novas e eixos exclusivos para o transporte coletivo. É evidente que muitas vias deixarão de ter estacionamentos no horário comercial – podendo ser usados à noite e nos finais de semana. Permitir que haja parcerias com o setor privado para estacionamentos, a exemplo de outras regiões.
Mas é preciso entender que, quem vai para o centro, principalmente nas regiões de maior aglomeração, não vai ter mais a facilidade de contar com vagas públicas. Agora, eu sou contrário a medidas restritivas como o pedágio urbano ou o rodízio.
Nós temos que criar outras formas de incentivo. As pessoas têm o direito e é bom que tenham a oportunidade de terem um carro, que tenham condições de deslocamento, mas essas novas áreas devem ter como prioridade o transporte público e esses novos modais como é o caso da bicicleta e áreas para pedestres.
Se eleito, você iria pedalando a posse no dia 1º de janeiro de 2013para simbolizar o compromisso da sua gestão com a ciclomobilidade? Também iria pedalando ao Palácio 29 de Março pelo menos uma vez por semana e estimularia os servidores públicos municipais a fazerem o mesmo?
Já há esse compromisso que assumi anteriormente, mas tomo o cuidado para que não pareça excesso de confiança e não haja uma interpretação equivocada. Já fui convidado pelos ciclistas e pelos taxistas.
Então, certamente, na ida e na volta, os dois serão atendidos.
Quanto a ir pedalando, não sei se com essa frequência, pode ser até outra, mas acho que, em alguns momentos, é uma função de liderança. Esse também é o papel de um prefeito. É preciso mostrar que aquilo é pra valer. E sei que isso dá margens para todos os tipos de reação, mas é importante, é necessário, é um gesto estimular transportes alternativos.
E, claro, os servidores, e há benefícios que podem ser acoplados e isso poder ter algum tipo de compensação, como incentivo fiscal, vales ou ingressos para atividades culturais dentro de um pacote maior de incentivos. Mas acho que o gesto respalda um papel de liderança.
Desde 2009, cerca de 80 ciclistas morreram em acidentes nas ruas da capital. O que pretende fazer para reduzir essas estatísticas?
Isso é brutal. Deve haver trabalho permanente de educação, incentivo, fiscalização e infraestrutura. Por que senão, na verdade, se continuar desse jeito, vai continuar havendo um incentivo a todo tipo de prática criminosa no trânsito, resultando em mais mortes.
Você se comprometeria em exigir da Setran uma fiscalização efetiva, com autuação de motoristas que colocam ciclistas em situações de risco, a exemplo da CET de São Paulo?
Sim, até porque aplicar o Código de Trânsito é um dos compromissos que é possível e que eu já assumi. Além de ter um departamento para cuidar só de mobilidade não-motorizada, com atenção especial aos ciclistas.
Pretende implantar um sistema público de aluguel de bicicletas, a exemplo de São Paulo, Rio de Janeiro ou mesmo Toledo, no interior do Paraná?
Sim. E isso mostra mais uma vez como Curitiba perdeu sua capacidade de inovação. Esse é um tema que já estava no ar, várias cidades tomaram a iniciativa, vários movimentos se manifestando, mas a prefeitura se manifestou ao contrário.
Ao invés de incentivar, receber e qualificar esse debate, acabou estabelecendo uma relação de confronto e de barreira e acabou tomando medidas que, invés de sinalizar uma visão consistente para o setor, serviu muito mais como provocação, como é o caso de fazer apenas uma vez por semana a ciclofaixa de lazer ou fazer e depois ter que refazer algumas obras, inclusive a de implantação de ciclofaixas na cidade.
Então, perdeu-se a oportunidade, Curitiba já está atrasada nisso, tem que fazer e que sirva de lição que todo esse tipo de movimento deve gerar a compreensão da prefeitura. É claro que isso vai exigir a paciência de muitos gestores, mas isso tem que ser com qualidade.
De qualquer maneira, o tema entrou na pauta, está na agenda pública e um dos investimentos, quando falo em infraestrutura, é incentivar também o aluguel de bicicletas, paraciclos e, em algumas linhas, em algumas áreas, é possível que os ônibus tenham um espaço para o transporte da bicicleta para incentivar as pessoas a fazer o transporte integrado, podendo até mesmo se pensar em um preço diferenciado da tarifa.
Enquanto vereador e deputado federal, você apresentou algum projeto de lei ou emenda parlamentar voltada à questão da ciclomobilidade e ao estímulo do uso da bicicleta como meio de transporte?
No Código de Trânsito Brasileiro, participei da comissão de desenvolvimento urbano e sempre o tema da mobilidade foi objeto. Agora saiu a Lei Nacional de Mobilidade Urbana, que foi muito discutida no Congresso Nacional, processo no qual eu participei enquanto parlamentar.
Você conhece a iniciativa do VotoLivre.org? Já votou? Se eleito, encamparia as propostas e enviaria à Câmara Municipal um projeto de lei semelhante, por iniciativa do Executivo?
Conheço, já votei desde o ano passado. Entendo que, quanto mais proposta melhor. Incentivo o máximo de participação e hoje há muitos mecanismos, o que é uma mudança. A ferramenta de governo eletrônico não tem volta e deve ser incentivada. O fator positivo é ver que a sociedade se organiza cada vez mais, temos demandas mais específicas.
Na sua visão, há alguma cidade na qual Curitiba poderia se espelhar para implantar seu sistema de ciclomobilidade?
Sempre que se fala em comparação, é preciso tomar cuidado porque são situações diferentes, realidades diferentes. Mas tem cidades europeias em que a bicicleta é algo potencializado e reconhecido. Em algumas cidades têm áreas em que só é possível acessar à pé ou de bicicleta.
Mas há aqui na América do Sul bons exemplos. Estive em Bogotá e Medelín [Colômbia], às vezes é necessário se chegar a um ponto de crise para se pensar nos investimentos. Também estive em Santiago do Chile. Não tem uma cidade só que sirva de referência, mas, em comum, muitas dessas cidades assumiram o risco, inovaram e, em um primeiro momento, muitas vezes, encontraram muito mais reação, do que propriamente apoio, como é próprio em um processo de inovação.
A grande marca é mostrar que todas, ou quase todas que servem de referência, não recuaram. Ou seja, é um caminho possível, é um caminho de conquista da população e é por isso que a prefeitura tem que fazer para valer.
Porque quem anda de bicicleta ou quem sonha em fazer isso com segurança, sem ter que com isso arriscar a própria vida, deve depositar seu voto em você?
É um processo de conscientização. Como candidato, eu acho que já cumpri o papel de dar visibilidade a alguns temas. O tema da mobilidade, em especial o da bicicleta, entrou definitivamente na pauta da eleição de Curitiba.
Qualquer que venha a ser o próximo gestor, haverá cobranças, o que é muito positivo e muito compreensível. E será inevitável que qualquer projeto passe por um processo de discussão. Não tem volta e o que me dá confiança, pela forma como tenho trabalhado a candidatura, é que só tem sentido se a gente assumir alguns compromissos e algumas metas diferentes do que está sendo feito, se não vai ser mais do mesmo, o que significa ampliar alguns problemas que estão implementados.
O desafio do próximo gestor vai ser assumir um passivo que vai ser brutal em algumas áreas que perderam a qualidade do serviço público como a saúde e a mobilidade.
Mas é preciso ter a capacidade, com planejamento, e não com atitudes que demonstram muito mais reação, como foi o caso da ciclofaixa semanal do que propriamente uma estratégia de planejamento e ter o desafio de recuperar o Ippuc como planejador físico e fazer com que esses órgãos se comuniquem – Urbs, Setran, Secretaria de Obras, Ippuc – envolvendo educação, saúde e outras áreas da prefeitura.
Imagine que estamos em 31 de dezembro de 2016. Como você imagina que seria o título da matéria do Ir e Vir de Bike com o balanço da sua administração na área da ciclomobilidade?
“Curitiba, agora sim, pedalou”.
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