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Nova geração de advogados defende o direito dos ciclistas
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Reprodução/Academia Paranaense de Propriedade Intelectual - Pollyana Cardoso Lopes
Panasolo (ao centro da mesa), em evento na OAB-PR que debateu a questão da bicicleta e resultou em carta de apoio da entidade

Não basta pedalar. É preciso defender a causa das bicicletas nas ruas e, se preciso for, também nos tribunais. É assim que pensa e age uma nova geração de advogados no Paraná, que vem exercendo o princípio do jus pedalandi ao representar os legítimos interesses das pessoas que pedalam.

Com base na Constituição Federal, no Código de Trânsito Brasileiro, na Lei Nacional de Mobilidade Urbana e na Lei Orgânica Municipal de Curitiba, eles buscam amparo jurídico para defender não apenas o direito do indivíduo ir e vir de bicicleta em segurança pelas ruas da cidade, mas também para cobrar e pressionar o poder público para que essas garantias não se tornem letra morta.

A própria seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), entidade com histórico de defesa da Democracia e dos interesses da sociedade civil, empunhou a bandeira da defesa da mobilidade urbana e do uso da bicicleta como meio de transporte. Em maio passado, a Ordem promoveu o evento Mobilidade, Meio Ambiente e Sustentabilidade, que reuniu especialistas e debateu os aspectos legais e urbanísticos da ciclomobilidade.

Por trás da iniciativa esteve o advogado Alessandro Panasolo, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR e professor da UFPR. “Cabe ao poder público e à sociedade a realização de campanhas educativas capazes de sensibilizar a população para respeitar a legislação de trânsito, conviver com essa modalidade de transporte [bicicleta] e incentivar o seu uso”, defendeu Panasolo em artigo publicado recentemente na página de Opinião da Gazeta do Povo.

O resultado do debate promovido pela OAB foi uma Carta Coletiva, com proposições em defesa da mobilidade por bicicletas. O documento foi encaminhado aos principais atores e entidades da sociedade civil paranaense e também foi entregue no Congresso Nacional na ocasião da criação da Frente Parlamentar em Defesa das Ciclovias.

Reprodução/Academia Paranaense de Propriedade Intelectual - Pollyana Cardoso Lopes
Presidente da OAB-PR, José Lúcio Glomb, chegou de bicicleta na sede da entidade

E não é apenas no discurso que a OAB-PR vem apoiando a causa. O presidente da entidade, José Lúcio Glomb, também deu suas pedaladas. Ele foi de bicicleta de sua casa, nas Mercês, até a sede da entidade, no Ahú, para o encontro. O gesto simbólico foi comemorado com aplausos dos ciclistas, cicloativistas e advogados presentes.

Além disso, a Ordem também fez a lição de casa. O advogado Maurício de Paula Soares Guimarães militou internamente na OAB para garantir a instalação de infraestrutura adequada na sede da entidade para os advogados que usam a bicicleta como meio de transporte.

Mas a instalação de paraciclos foi apenas a primeira vitória do advogado. A maior delas, entretanto, veio nos tribunais. Guimarães conseguiu anular na Justiça a multa imposta pela Prefeitura de Curitiba a um grupo de ciclistas que pintou uma ciclofaixa simbólica na Rua Augusto Stresser, em setembro de 2007, durante um protesto no Dia Mundial Sem Carro.

Reprodução/Guilherme Kloss Neto
Em defesa da causa da bicicleta, Guimarães conseguiu reverter na Justiça a multa por “crime ambiental” aplicada aos ciclistas que pintaram uma ciclofaixa autônoma

A Prefeitura multou os ciclistas que defendiam a causa da bicicleta por “crime ambiental”. No tribunal, o advogado defendeu que a ação teve natureza diversa, sendo um ato isolado de protesto que se diferencia de uma pichação qualquer. “Seria vandalismo se não tivesse sido divulgado e tivesse sido feito na calada da noite, por exemplo, de forma clandestina”, sustentou.

Com a decisão favorável, o cicloativista Jorge Brand pode levantar a quantia de R$ 1.221,35, depositada em juízo. A decisão também condenou a Prefeitura a pagar as custas processuais, no valor de R$ 1 mil, além de honorários advocatícicos.

Já o advogado Henrique da Costa Ressel é um dos cérebros por trás da iniciativa do Voto Livre, cujo lema é “Vote em ideias, não em pessoas”. Foi ele quem desenvolveu a sustentação jurídica que permite o uso de ferramentas de certificação digital para validar assinaturas em petições públicas para apresentação de projetos de iniciativa popular — mecanismo constitucional de democracia direta.

Ramiro Furquim/Sul21
Henrique Ressel: “A bike é uma ferramenta democrática para a melhoria de diversas questões sociais”

O primeiro projeto do Voto Livre busca reunir 65 mil assinaturas para referendar a Lei da Mobilidade Urbana Sustentável em Curitiba. O projeto conta atualmente com cerca de 14 mil votos.

Ressel foi convidado para apresentar o Voto Livre no painel principal do I Fórum Mundial da Bicicleta, realizado em Porto Alegre no mês de fevereiro. Sua explanação chamou a atenção e foi mais aplaudida que a palestra do norte-americano Chris Carlsson, um dos precursores do movimento Critical Mass (Massa Crítica, também conhecido no Brasil como Bicicletada), convidado para ser a “estrela” do evento.

Outro expoente dessa nova geração de advogados da bicicleta é Rodolfo Brandão de Proença Jaruga, coordenador jurídico da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (CicloIguaçu), entidade que defende os interesses dos ciclistas da capital e outros 17 municípios da Região Metropolitana.

A entidade, fundada há cerca de um ano, é o braço institucional do movimento cicloativista e interface de diálogo com o poder público. Legalmente constituída como pessoa jurídica de direito privado, a entidade tem o poder de representar coletivamente os interesses de seus associados, inclusive ingressando na Justiça ou acionando o Ministério Público para fazer valer os interesses de quem pedala na região do Alto Iguaçu.

Ordem dos Advogados da Bicicleta

Em Nova York, onde há regras sobre a circulação de bicicletas e efetiva fiscalização, inclusive com multas para ciclistas que furam sinal vermelho ou andam fora das ciclovias — lá as ciclovias existem e são funcionais e andar fora delas é considerado infração de trânsito — a atuação dos “advogados da bicicleta” vem encontrando um vasto campo de atuação, como revela matéria publicada pelo The New York Times.

Escritórios de advocacia têm se especializado na defesa de ciclistas — de entregadores atropelados à usuários de bicicleta que se feriram em acidentes causados por motoristas que abriram a porta do carro inadvertidamente. Aliás, foi a ação de advogados especializados que garantiu o direito dos ciclistas de NY realizarem a Massa Crítica, após o movimento ter sido duramente reprimido pela polícia local.

Reprodução/NYT
Polícia de Nova York reprimindo manifestantes da Massa Crítica. Ação de advogados garantiu o direito dos ciclistas

Entidades e associações também atuam na defesa coletiva de ciclistas que são multados por estarem fora das ciclovias, mesmo que as ciclovias não ofereçam condições ideais de circulação. Alguns advogados conseguiram colocar o município de Nova York no banco dos réus pelo simples fato da prefeitura não garantir infraestrutura adequada para os ciclistas.
Dentre esses, esteve o escritório Jason & Fischer Bike Attorney (Procurador da Bicicleta), especializado em casos envolvendo ciclistas.

Parece algo impossível de acontecer por aqui, mas não é: temos precedente e jurisprudência favoráveis. Em novembro do ano passado, uma ciclista de Londrina recebeu R$ 2.285 de indenização por um acidente sofrido enquanto pedalava nas ruas da cidade.

A ciclista caiu ao passar por um buraco, sofrendo escoriações e contusões nas pernas, nos braços e no rosto, além dos danos materiais na bicicleta.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) condenou o município por entender que, se a via tivesse em boas condições, a ciclista não teria se acidentado. “Caso a pista estivesse em condições normais de trafegabilidade, não haveria o dano”, concluiu o relator do processo.

Pedalar é um Direito

A atuação pioneira dos advogados paranaenses no campo da ciclomobilidade é extremamente positiva e tem papel fundamental no fortalecimento da Democracia e dos direitos do cidadão.

Entretanto, ainda é possível avançar nesse campo. As universidades podem contribuir com a criação de núcleos de estudo que aprofundem a análise desse campo do Direito.

A CicloIguaçu também pode inovar, com a criação de um núcleo jurídico de apoio aos seus associados em situações diversas, prestando assistência individual em casos de acidentes ou violações de direitos dos ciclistas.

Isso também inclui a proposição, ao Ministério Público, de ações civis públicas ou ações coletivas contra a União, Estado ou Município, para garantir a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos de quem pedala.

O poder público que se omite no papel legal de fiscalizar e fazer cumprir a lei que dá preferência ao não motorizado sobre o motorizado e, em última instância, coloca a vida como uma prioridade, não pode passar impune.

A Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança. Assegura ainda o direito de ir e vir — de bike, inclusive. Hoje, felizmente, temos quem nos defenda. Nem que para isso, seja preciso brigar até a última instância.

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