Desde o dia 1º de agosto, uma mulher passou a dirigir o trânsito da capital mais motorizada do país. Luiza Simonelli assumiu a Secretaria de Trânsito de Curitiba (Setran) com uma orientação clara: investir no processo de educação dos motoristas e transformar o trânsito em um espaço de convivência pacífica.
Embora tenha perfil técnico – a nova secretária é advogada especialista na área de Trânsito –, ela não esconde que chegou ao posto trilhando o caminho da política. Luiza trabalhou com o deputado Marcelo Almeida (PMDB) e o acompanhou no Detran, durante o governo Requião. Também foi chefe de gabinete do deputado Luiz Eduardo Cheida (PMDB). Nos últimos 12 anos, transitou pelo Conselho Estadual de Trânsito e foi presidente da Junta Administrativa de Recursos de Infração (Jari). Sua indicação ao posto veio após o engenheiro Joel Krüger ter pedido exoneração para se dedicar ao Crea-PR. “Surpresa de estar na secretaria não estou, até porque eu militava nesse grupo político do prefeito Gustavo Fruet e tenho muita identidade com as ideias dele”, reconhece.
Três dias depois de assumir a pasta, Luiza Simonelli conversou em seu gabinete com o blog Ir e Vir de Bike e com o repórter da Gazeta do Povo Rafael Waltrick. (Leia a matéria sobre trânsito publicada no jornal impresso).
Confira os principais trechos da entrevista em relação ao tema da ciclomobilidade:
Multas por desrespeito aos ciclistas
Questionada diretamente sobre seu compromisso em relação a efetiva fiscalização e autuação em caso de descumprimento dos artigos do Código Brasileiro de Trânsito (CTB) que protegem os ciclistas, Luiza Simonelli disse que essa é uma obrigação do agente de trânsito. “Uma vez constatada a infração, obviamente o motorista será multado. Vamos fazer a orientação quando possível, mas, uma vez desrespeitado o direito e colocado em risco a integridade de alguém, é claro que o motorista vai ser multado”, disse.
Segundo ela, a via preferencial será sempre a do diálogo e do entendimento, mas sem deixar de lado o rigor, quando necessário. “O agente faz um relatório e isso pode, eventualmente, virar um inquérito policial, uma demanda judicial. Quando isso pesa não apenas no bolso, mas na vida, e o motorista tiver de responder uma demanda judicial, ele vai entender que o espaço de 1,5 metro é do ciclista”, disse.
Segundo ela, o processo de criar uma cultura interna dentro da Setran de que os ciclistas são cidadãos de direito já está sendo trabalhado. “Semanalmente temos uma reunião com os 40 líderes de equipe em que isso vem sendo abordado”, afirma. A partir de setembro, esse trabalho deve ser feito de forma mais efetiva, conforme compromisso da secretária com representantes da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (CicloIguaçu), em reunião realizada no último dia 7.
Cultura e educação no trânsito
Luiza reforça seu compromisso de continuidade ao trabalho do antecessor. “É preciso quebrar certos paradigmas, se não, não vai avançar. Em um tema como trânsito e meio ambiente é impossível que não se use outras tecnologias e novas ideias, como a bicicleta. Não é possível que se trate um modal tão importante como meramente um lazer de fim de semana”, afirma.
Segundo ela, o objetivo neste momento é criar a cultura de que o trânsito é um espaço de convivência. “Não é possível mais tratar o trânsito como sinônimo de insegurança. Temos que trazer todas as diretorias [a Setran tem 4 diretorias] e todas elas estão envolvidas para trabalhar a questão do trânsito seguro, de verdade”.
Ela compara esse desafio com o compromisso nacional firmado há duas décadas pelo combate ao analfabetismo no país. “É mais ou menos o mesmo: ou nós tentamos mudar, ou não faz sentido nossa passagem por aqui”. Uma das apostas é envolver o trabalho de ONGs e associações para replicar iniciativas e trabalhar no processo de educação de todos.
“Não é fácil. A cultura do individualismo é muito forte”, reconhece. Para ela, o trânsito não é mais um desafio só do poder público. “O poder público tem a gestão, mas a responsabilidade de mudar o comportamento depende de cada um de nós. O poder público não consegue, sozinho, reduzir o número de mortes no trânsito. Precisa que seja um compromisso de aliança com a sociedade”.
Ciclopatrulha
A nova secretária assumiu o compromisso de que a mudança na gestão da Setran não vai alterar os planos de expansão da ciclopatrulha. A ideia é que, após a realização de um concurso público ato o fim deste ano, o número de agentes responsáveis pela fiscalização das ruas com o uso de bicicletas vá dos atuais 8 para 40 e o número de bicicletas de 4 para 20.
Diretoria de Não-Motorizados
Segundo Luiza, o compromisso assumido pelo prefeito Gustavo Fruet de implantar um órgão responsável pelo planejamento e controle do trânsito não-motorizado será cumprido dentro de um processo de reestruturação do organograma da Setran. A ideia, no entanto, seria a criação de uma Diretoria de Mobilidade, sob a qual estaria subordinada uma coordenação responsável para atuar na questão de trânsito não-motorizado – pedestres, ciclistas, cadeirantes, skatistas, etc.
Zonas 30 km/h
Questionada sobre seu posicionamento pessoal em relação a implantação de Zona 30 no anel central da capital, a secretária foi evasiva. “É complicado ainda falar disso”, disse, justificando que a proposta é polêmica, principalmente dentro do corpo de engenheiros da Setran.
“Eles não querem falar disso”, indicou. Questionada se sua visão na gestão do trânsito dará prioridade às pessoas ou aos carros, ela defendeu a criação de espaços de trânsito acalmado nos chamados “centro de bairro”, mas ponderou que antes é preciso que a cidade “se prepare para isso”.
Luiza reconhece que, atualmente, o trânsito é desumanizado. “Esses dias fui pagar uma conta no banco e não consegui atravessar a rua. Chamei o gerente de engenharia para buscar uma solução, mas a resposta foi de que o semáforo é programado para o fluxo de trânsito e se o tempo for expandido em apenas três segundos, isso pode criar um fluxo no tráfego da cidade”, conta. “É difícil mudar essa visão”, reconhece.
A secretária diz que é mais fácil mudar a cabeça dos 22 responsáveis pela operacionalização dos 1.079 semáforos da cidade do que de todos os motoristas da cidade. “Se a gente conseguir começar a trabalhar que um engenheiro atravesse uma rua e sinta na pele que um clique dele dá a garantia de segurança para as pessoas, teremos um grande avanço. O direito de ir e vir do pedestre é muito mais consagrado que o do motorista do carro”, finaliza.
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