O Brasil está fora do mapa do Tour d´Afrique Ltd., empresa que organiza expedições ciclísticas em mais de cem países nos cinco continentes do planeta. A companhia que encara de frente a instabilidade política do Quênia, o risco de ataques da guerrilha colombiana ou os regimes ditatoriais do Irã ou Sudão não tem coragem de enfrentar o perigo que representa um brasileiro atrás do volante.
“Os motoristas brasileiros brincam com a vida e tentam passar o mais próximo possível dos ciclistas. O país não é seguro o suficiente para receber um de nossos tours”, avalia o empresário Henry Goldman, idealizador do Tour d´Afrique e proprietário da TDA Ltd.
Em 2008 a Vuelta Sudamericana — uma das expedições promovidas pela empresa na América do Sul — partiu do Rio de Janeiro, passando por São Paulo, Curitiba e Foz do Iguaçu, rumo à Argentina.
Pedalando pelas estradas do país, o empresário sentiu na própria pele a insegurança quando um veículo invadiu a área de acostamento apenas para lhe dar uma “fina”. “Isso aconteceu bem na frente de um carro da polícia rodoviária, que não fez simplesmente nada a respeito”, relata.
Goldman garante que a exclusão do Brasil do roteiro não se trata de uma vingança pessoal após o episódio. Prova disso é que ele foi atacado por um elefante enquanto pedalava na Índia, sofrendo fraturas múltiplas e traumatismo craniano, e nem por isso eliminou a expedição indiana do portfólio da empresa.
“Estatisticamente, é muito mais provável um ciclista morrer atropelado no Brasil do que atacado por um elefante na Índia”, compara. “É preciso encarar que isso é um negócio e que estamos trabalhando com vidas. É mais seguro um tour de bicicleta do Cairo à Cidade do Cabo ou de Shangai a Istambul do que nas estradas brasileiras”, avalia.
Entusiasta da bicicleta, Goldman conta que já estudou a possibilidade de criar um roteiro partindo da costa do Nordeste atravessando o país de Leste a Oeste pela Rodovia Transamazônica. Outro plano que não saiu do papel pelo mesmo motivo foi um tour temático, inspirado na Copa do Mundo de 2014. O roteiro começaria em Wembley, na Inglaterra – berço do futebol – até Lisboa, em Portugal – a antiga metrópole – para então sobrevoar o Atlântico até o Recife e continuar a pedalada pela costa até o Rio de Janeiro, coincidindo com o início do mundial no Brasil.
“É uma pena não ter o Brasil em um dos nossos tours. O cicloturismo é uma forma inteligente de estimular a economia local, gerando investimentos e empregos em localidades fora dos grandes circuitos. O Brasil tem uma natureza esplêndida, com uma cultura riquíssima e um povo incrível, mas, infelizmente, não tem uma cultura ciclística e de respeito no trânsito”, lamenta.
O empresário conta que já esteve em Curitiba para conhecer os projetos do arquiteto e ex-prefeito Jaime Lerner. “Toda essa história em torno das bicicletas começou pelo meu interesse por transportes. A bicicleta nada mais é que um formidável meio de transporte”.
Exemplos africanos
Mesmo com todos os problemas, a África tem iniciativas positivas para mostrar ao mundo no campo da ciclomobilidade. A cidade de Bahir Dar, na Etiópia, por exemplo, é um dos cases mais interessantes do continente.
Ao invés de apenas lamentar que a Etiópia não é uma Holanda, a administração local buscou educar a população e promover uma mudança positiva no comportamento da população. Hoje, ciclistas convivem com motoristas, que por sua vez respeitam a faixa de pedestres – guardadas as devidas proporções, mais ou menos como em Amsterdã. De quebra, a cidade ainda ensinou a população que lugar de lixo é na lata do lixo e ganhou um prêmio internacional de cidade mais limpa do continente – também guardadas as devidas proporções, uma espécie de “Capital Ecológica” africana.
Também no Malauí – um dos países mais pobres do continente –, a bicicleta é o principal meio de transporte da população. Nos rincões da Tanzania é possível pedalar em uma ciclovia paralela à rodovia principal, que garante a segurança de quem usa. Já na Zâmbia, o governo oferece em parceria com ONGs – incluindo a Fundação Tour d´Afrique – bicicletas para que os alunos pedalem até a sala de aula, aferindo excelentes resultados no desempenho escolar.
Enquanto isso, no Brasil, há quem defenda que não somos um país apropriado para o uso de bicicletas; e com razão. Enquanto houver quem se orgulhe do próprio subdesenvolvimento, continuaremos atrás não somente da Holanda e da Dinamarca, mas também de países como Turcomenistão, Bolívia e Malauí, perdendo oportunidades, investimentos e, acima de tudo, vidas.
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