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Prefiro um novo amigo de pedal a um litígio judicial
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Reprodução/BicycleCampaign.org
Os Juizados Especiais são rápidos e eficientes para resolver situações de violação dos direitos dos ciclistas

Nesta terça-feira (28) estarei novamente frente a frente com o motorista que acelerou e jogou deliberadamente seu carro sobre minha bicicleta simplesmente porque estava “com pressa”. Na primeira vez que nos encontramos estávamos em uma via pública; ele na condição de motorista e eu na de ciclista. O reencontro será em um Tribunal; agora ele é réu em um processo civil.

Nossos caminhos se cruzaram no dia 20 de junho de 2012, por volta das 13h30. Como de costume, ia pedalando para o trabalho. A menos de um quarteirão do jornal, parei a bicicleta fora da faixa de rolamento para aguardar o sinal de pedestres e poder fazer a travessia em segurança na esquina das ruas Pedro Ivo com Barão do Rio Branco, no centro de Curitiba.

Foi quando o motorista, que estava estacionado irregularmente em uma vaga reservada para idosos, logo atrás de mim, buzinou impaciente. Sem sequer olhar para trás, apenas apontei para o semáforo e, com a mão esquerda espalmada para baixo, fiz sinal indicando para que ele esperasse. Foi quando fui surpreendido pelo impacto do veículo, um Renault Senic da cor cinza, que ele usou para colidir deliberadamente na traseira da minha bicicleta.

O impacto não chegou a me machucar ou a me derrubar da bicicleta, já que eu estava apoiado com os dois pés no chão aguardando o sinal. A batida, entretanto, entortou a roda, quebrando três raios, o aro e o eixo central da roda traseira.

Na hora, ainda assustando, fui até a lateral do carro para questionar o motorista sobre o porquê daquela atitude agressiva. Ele baixou o vidro, ameaçou descer do carro e fez menção para que eu “sumisse” da frente dele ou então, não saberia o que poderia me acontecer — dando a entender, por meio de gestos, que estaria armado. Uma mulher, ao seu lado no banco do passageiro, lhe segurava pelo braço e lhe pedia calma.

Pensei comigo: se o cara foi louco de me atingir, usando o carro como arma por conta de 10 segundos de um sinal de trânsito, imagine só o que ele seria capaz de fazer em uma discussão se tivesse mesmo uma arma de fogo da mão?

Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Foto da placa do veículo, com marca da batida ao centro, foi ferramenta fundamental para identificação e localização do motorista

Preferi não pagar para ver. Tirei uma foto da placa do veículo e saí de perto e fui procurar uma autoridade policial. Acabei encontrando um agente da Setran, que fazia ronda de fiscalização em frente ao Centro de Convenções do Paraná, na Rua Barão do Rio Branco. Mas, assim que voltamos ao local, o motorista já havia saído com seu carro.

Peguei contato de uma testemunha que viu o episódio e ficou indignado com a truculência do motorista. Por orientação do agente da Setran, fui até a delegacia, onde registrei um Boletim de Ocorrência por dano e ameaça. Com o número da placa do carro, foi possível identificar o motorista com nome, endereço, CPF e RG.

Com o nome completo, consegui ainda encontrá-lo no Facebook. Ainda naquele dia, cheguei a lhe enviar uma mensagem pela rede social, me identificando e propondo um acordo, apenas que ele pagasse os custos que tive para consertar a roda da bicicleta, um prejuízo de pouco menos de R$ 100. Dei 48 horas para uma resposta, que não foi dada.

Resolvi então acioná-lo no Juizado Especial Cível por danos materiais (custo do reparo da bicicleta) e danos morais (pela agressão que sofri de forma covarde, simplesmente por estar fazendo a coisa certa, neste caso, aguardando o sinal de pedestres).

Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Usar um carro para ameaçar um pedestre ou um ciclista é uma atitude arrogante, egoísta e covarde; por isso, merece ser punida exemplarmente

Também ingressei com uma representação criminal contra ele por dano qualificado (Art. 163 do Código Penal), ameaça (Art. 147/CP) e constrangimento ilegal (Art. 146/CP) com base no Boletim de Ocorrência. Essa audiência ficou marcada para o dia 6 de setembro no Juizado Especial Criminal.

Há ainda a questão de trânsito: na esfera administrativa, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, ameaçar o ciclista com o carro é infração gravíssima, passível de suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo e da habilitação (Art. 170).

Ainda de acordo com o CTB, colar na traseira do ciclista ou apertar ele contra a calçada é infração grave (Art. 192). O código também prevê que o carro deve dar preferência de passagem ao ciclista quando ele já estiver atravessando a via, mesmo que o sinal abra para o carro (Art. 214).

Eu poderia simplesmente ter “deixado para lá”, para não “esquentar a cabeça” com isso, como, aliás, me foi sugerido por alguns. Mas quem me conhece sabe que jamais teria paz de espírito abrindo mão de um direito que tenho como cidadão: o direito de ir e vir de bike.

Parto do princípio de que a rua é o espaço de convivência pública, onde deve imperar a cordialidade e o respeito ao próximo. Mais do que um crime, usar um carro para ameaçar um pedestre ou um ciclista é uma atitude arrogante, egoísta e covarde; por isso, merece ser punida exemplarmente. E a Justiça existe para isso – e é acessível e rápida nestes casos, através dos Juizados Especiais.

Quando arrancou com seu carro, o Sr. Adenilson provavelmente achou que a situação havia se encerrado ali mesmo. Certamente, sequer se lembrava minha existência até receber em sua casa a primeira das duas intimações judiciais depois de algumas semanas.

Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Batida estourou três raios e danidicou o aro da roda traseira da bicicleta

Adenilson vai comprometer pelo menos dois dias de trabalho em audiências no Tribunal, teve de contratar um advogado e, aposto, perdeu algumas horas de sono tranquilo se remoendo pelo ato impensado.

Na audiência, vou propor um acordo: que ele converta o valor da indenização requerida em materiais impressos de educação no trânsito que estimulem a convivência pacífica e o respeito entre motoristas e ciclistas.

Também vou propor que, pelo menos um dia, ele deixe o carro em casa e vá pedalando para o trabalho. Me comprometo a orientá-lo e acompanhá-lo para que faça o caminho de forma segura. Prefiro mil vezes um novo amigo de pedal a um litígio judicial.

Mas, acima de tudo, espero que Adenilson tenha a humildade de reconhecer seu erro e a honradez e a hombridade de assumir que não pode simplesmente usar seu carro para ameaçar uma pessoa sobre uma bicicleta, mesmo que esteja com pressa ou colérico com o mundo ou com sua própria vida.

Leia o desfecho da audiência: Pavimentada a ciclovia da conciliação

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