Na Semana Nacional do Trânsito, uma nada inocente campanha publicitária da Ambev nas redes sociais prova como o Brasil anda na contramão do que se entende por uma sociedade civilizada ao juntar álcool e direção — ainda que não motorizada.
A ideia genial dos marketeiros foi inventar uma bolsa térmica para levar latinhas da marca Skol no quadro da magrela, para “deixar a cerveja geladinha pedalando”.
A empresa quer 100 mil curtidas no Facebook para colocar o produto no mercado. Em 7 horas, conseguiu 7%. Neste ritmo, deve atingir a meta na próxima sexta-feira. No sábado, certamente, o acessório já estará circulando por aí.
Pode parecer legal. Cool. Mas quem curte a ideia, está redondamente enganado. Em um país que perde mais de 40 mil vidas ao ano no trânsito, qualquer estímulo a ações irresponsáveis — como a de beber e dirigir — é no mínimo criminosa. Essa leniência com a mistura álcool e direção é a raiz de um problema que mata mais que de 110 brasileiros por dia.
Haverá quem defenda a ideia e ache tudo muito normal. Assim como há quem justifique a venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina na beira de estradas e rodovias com o argumento torpe de “manutenção de empregos”. Outros têm o cinismo de invocar a “liberdade de expressão” como justificativa para denunciar locais de blitze policiais nas redes sociais. E a própria Justiça, cega como é, deixa crimes de trânsito impunes e, quando muito, troca vidas por cestas básicas. Exemplo é o que não falta.
Vale lembrar que, pelo artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa é infração gravíssima. O mesmo vale para quem conduz veículos de propulsão humana ou tração animal. Quem assim o faz, embora não receba pontos na carteira, fica sujeito à sanção administrativa. Um ciclista alcoolizado também responde na Justiça por lesão corporal ou morte que venha ocasionar, porém, com base no Código Penal, e não do CTB.
As infrações administrativas do Código de Trânsito são cometidas também por ciclistas, como desobediência ao semáforo, transitar na contramão entre outras não aplicáveis apenas a automotores.
Porém, neste caso, há uma impossibilidade técnica de realizar a autuação e aplicação de penalidades devido à forma que se dá o processo administrativo, já que as bicicletas não são registradas nos órgão de trânsito.
“Essa dificuldade não tira a ilicitude do ato, o qual pode ser levantado em processos civis ou criminais para fins de demonstrar a participação da vítima caso seja um ciclista sob influência de álcool, que nesse caso a bicicleta literalmente estaria se equilibrando sob o ciclista. Aliás, no caso do pedestre mesmo não se constituindo em infração ou crime, é um fator de risco que deve ser ponderado. Nesse caso a melhor condição é de passageiro de veículo de quatro rodas, pois até na garupa de moto não seria recomendável”, avalia o presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PR, Marcelo Araujo, em artigo publicado no Portal do Trânsito.
Tim-tim
Façamos um brinde com um copo cheio de sangue aos marqueteiros que tiveram essa ideia genial de tornar o trânsito brasileiro ainda mais irresponsável!
Atualização
Menos de 24 horas após a postagem, em um aparente gesto de bom-senso diante da repercussão negativa da “novidade”, a Skol excluiu a campanha de sua rede social. Espera-se que desista também da ideia e de qualquer nova “estratégia” que contribua para tornar nosso trânsito ainda pior.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS