Curtindo as férias em minha cidade natal, Araraquara (SP), decidi reviver — depois de mais de 12 anos –, um pedal que marcou minha infância e adolescência nessa terra e ajudou a impulsionar minha paixão pelas duas rodas.
Entre meus 10 e 15 anos, praticamente todo fim de tarde, eu pegava a estrada e pedalava até o distrito de Bueno de Andrada, onde comia uma coxinha no Bar do Freitas, tomava uma garrafinha de Coca-Cola bem gelada, pendurava tudo na conta e voltava feliz para casa.
Tudo isso bem antes do jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão, meu conterrâneo, elevar as referidas coxinhas ao status de patrimônio culinário regional, após publicar uma coluna intitulada “As Coxinhas Douradas de Bueno”, no jornal O Estado de S. Paulo, no ano de 2001.
Desde então, o pequeno distrito – uma vila de trabalhadores da zona rural –, tornou-se ponto turístico regional e atrai diariamente centenas de pessoas que percorrem os quase 20 quilômetros que separam o centro de Araraquara das agora famosas e desde sempre deliciosas coxinhas.
Pedalar por esse caminho depois de tanto tempo – desta vez acompanhado pela Andreza, minha esposa –, foi uma experiência marcante, quase uma viagem no túnel do tempo.
Mas, mesmo depois de mais de uma década, foi possível perceber que, no trajeto, pouca coisa mudou: a paisagem permanece praticamente a mesma, com pequenas propriedades beirando a estrada, canaviais e alguns trechos de mata nativa.
E o que mudou, infelizmente, foi para pior: o asfalto deteriorado denuncia que não houve um recapeamento sequer durante a última década. Já o movimento de carros e caminhões aumentou exponencialmente, afastando também os ciclistas, antes comuns na estrada – que, inclusive, tinha sinalização adequada neste sentido.
Além disso, claro, muitas lembranças a cada pedalada, como as vezes em que caí neste percurso, os antigos companheiros de pedal e até mesmo os nomes que eu mesmo inventava para identificar partes do trajeto, como a temida “Subida de Rosa Martins”, o “Retão do Canavial” e a “Curva do Trilho”.
O paraíso das coxinhas
Por aqui, dizemos de brincadeira que Bueno de Andrada é uma cidade de primeira; pois, se engatar a segunda, você passa por ela sem se dar conta.
Com apenas 200 habitantes na “zona urbana”, o distrito se resume a rua principal com meia dúzia de quarteirões de extensão e mais duas ruas secundárias de cada lado, a antiga estação de trem, a pracinha e uma igrejinha construída na década de 1920.
Mas o grande patrimônio do local é mesmo o Bar e Mercearia do Freitas que em 50 anos praticamente não mudou: como qualquer outro estabelecimento do gênero, lá se vende cachaça, rabo-de-galo, pilha, chupeta, barbeador, pipa (raia) e maria-mole na casquinha de sorvete.
O divisor de águas foi há dez anos, com a crônica que revelou ao país as suculentas coxinhas douradas. Desde então, muita coisa mudou para o Freitas. A fama trouxe até filas, organizadas por divisórias, como em qualquer grande banco.
Com o lucro, o proprietário também comprou dois imóveis ao lado, montou uma cobertura, contratou funcionários – agora uniformizados –, criou logomarca, slogan e até um mascote.
Além da tradicional coxinha de frango, outras versões também foram incorporadas ao cardápio, como a coxinha de carne, a de carne-seca, a de quatro queijos, e, quem diria, até a coxinha de camarão!
Mas para quem conhece o acepipe não se deixa enganar por esses modismos mercadológicos e sabe que, se é coxinha, tem que ser de frango. – a original, tradicional e insuperável coxinha é a de frango e deve ser saboreada nas mesas de concreto da pracinha, dividindo alguns pedaços com os vira-latas pidões que batem ponto no local.
Depois de tanto tempo, mandei, sem dó, três coxinhas e uma Coca de almoço! E voltei pedalando, feliz, como fazia antigamente…
Ficou com água na boca? Então, pegue sua bicicleta e vá pedalando até Bueno de Andrada. Ou então, tente a sorte com a receita das coxinhas, exibida no programa Mais Você.