Lá se vão mais de dez anos da Lei Complementar 131, de maio de 2009, aquela batizada de “Lei da Transparência”, e que impulsionou nos sites das diferentes esferas dos Três Poderes uma enxurrada de “portais da transparência” - um nome talvez pomposo, como se sugerisse a oferta ao usuário/cidadão de uma informação “a mais”, mas que, de todo modo, obrigou o Executivo, o Legislativo e o Judiciário a mostrarem na internet o fundamental: onde e como está sendo gasto o dinheiro público.
No Paraná, se restringirmos a análise ao portal da transparência da Assembleia Legislativa, fica evidente que houve avanço nos últimos dez anos, quando se trata de revelar ao público externo o destino do seu orçamento – algo perto de R$ 750 milhões para 2020. Mas os avanços são lentos e, volta e meia, há retrocesso. A recente mudança nas regras da chamada “verba de ressarcimento”, promovida pela gestão do deputado estadual Ademar Traiano (PSDB), é um exemplo disso.
A verba de ressarcimento, vale lembrar, é aquela quantia mensal reservada para os deputados estaduais compensarem os gastos com os seus mandatos, e que nada tem a ver com o salário de quase R$ 25 mil (R$ 25.322,25) que recebem na própria conta ou com a cota disponibilizada para contratação de pessoal para o gabinete.
A verba de ressarcimento serve para que os políticos paguem as despesas relacionadas à atividade parlamentar – de combustível e alimentação até passagem aérea, aluguel de escritório e imóvel em Curitiba (há 27 tipos de despesas autorizadas no total). Em 2020, a Assembleia Legislativa vai reservar mais de R$ 20 milhões (R$ 20.528.510,40) a título de verba de ressarcimento, já que cada um dos 54 deputados estaduais pode contar atualmente com um valor mensal de até R$ 31.679,80.
A transparência sobre tais gastos evoluiu com o tempo. Quase dez anos atrás, o cidadão não tinha ideia de como os parlamentares usavam o dinheiro da verba de ressarcimento. Nem mesmo as regras em torno do uso deste dinheiro eram conhecidas do público externo – a primeira normatização sobre o pagamento é de março de 2004 (resolução 03/2004). O “portal da transparência” da Assembleia Legislativa, com a promessa de revelar o que se fazia com a verba de ressarcimento, foi entregue só em agosto de 2009, na esteira da LC 131/2009 e, também, por cobrança da imprensa. Ali, era a gestão do ainda deputado estadual Nelson Justus (DEM).
A divulgação iniciou tímida. Os nomes das empresas (que receberam algum dinheiro da verba de ressarcimento porque venderam um produto ou prestaram um serviço ao parlamentar) não estavam ali, apenas o CNPJ delas. Mais para frente, a informação foi incluída no site, mas, entre 2009 e 2019, a Assembleia Legislativa deu pouca atenção para a necessidade de aperfeiçoar a exibição daqueles dados. Não há, por exemplo, uma descrição das despesas – justificando o vínculo delas com atividades do mandato.
Mas a Casa acabou chacoalhada em 2019, quando uma organização não governamental (ONG) chamada Vigilantes da Gestão Pública passou a contestar determinados gastos com alimentação e a obter decisões judiciais para bloquear bens de parlamentares que teriam utilizado mal a verba de ressarcimento. Paralelamente a isso, o Ministério Público do Estado do Paraná também resolveu enviar uma recomendação à Casa na qual se cobrava melhorias.
O resultado disso foi uma nova normatização da Assembleia Legislativa sobre o uso da verba de ressarcimento: a resolução 15, publicada em 12 de novembro de 2019, e que entrou em vigor no primeiro dia de 2020. Entre as mudanças, houve avanços importantes. O principal deles é a obrigação de publicar na internet as notas fiscais dos serviços/compras, algo que a Câmara dos Deputados já adota há alguns anos, ao prestar contas de uma verba semelhante reservada aos seus deputados federais. “Os gastos serão divulgados no Portal da Transparência da Assembleia Legislativa em, no máximo, 30 dias após o pagamento, contendo os documentos necessários para a comprovação da realização da despesa”, define trecho.
Mas há também retrocessos. A mesma resolução – combinada com o Ato da Mesa Executiva 2821 publicado no último dia 10 – cria a possibilidade do fornecimento de “diárias” dentro da verba de ressarcimento para “deputados e assessores que se afastarem da sua sede de trabalho [o prédio da Assembleia Legislativa, em Curitiba] para exercer atividades parlamentares”. O objetivo das diárias, conforme descrito na resolução, é ressarcir gastos com “pousada, alimentação e locomoção urbana”, mas, neste caso, o parlamentar ou seu assessor não precisam apresentar à Assembleia Legislativa as notas fiscais para comprovar de que forma utilizaram o dinheiro.
O valor da diária depende de dois critérios: do tipo de deslocamento – se é para algum município da região metropolitana de Curitiba, para outras capitais do país ou para outra cidade qualquer – e se ela será utilizada pelo deputado ou pelo assessor. A diária mais alta sai para o parlamentar que viajar para outra capital do país, R$ 844, o correspondente a 1/30 do subsídio do deputado estadual.
Alguns mecanismos criados pela resolução evitam a utilização da íntegra da verba de ressarcimento com “diárias” – ficou estabelecido que as diárias não podem ultrapassar 40% do valor total (R$ 12.671,92, portanto). Além disso, cada deputado e cada assessor poderá solicitar até 12 diárias por mês. Ainda assim, se um político utilizar todo o valor permitido com diárias, as informações sobre a utilização de quase a metade da verba de ressarcimento (40%) não serão conhecidas do cidadão, o que cria um obstáculo à fiscalização.
Ou seja, no mesmo momento em que a Assembleia Legislativa avança na transparência ao decidir colocar as notas fiscais da verba de ressarcimento na internet, ela cria a possibilidade da requisição de diárias, e deixa o cidadão no escuro sobre detalhes deste gasto. O que se espera agora, e o Ministério Público também deve permanecer atento, é que a Casa pense em maneiras de aperfeiçoar a prestação de contas em relação às diárias, e que não demore anos para colocar isso em prática.