Na terça-feira (10), o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados votou pela suspensão de seis meses do mandato do deputado paranaense Boca Aberta (Pros). Para valer, a punição ainda precisa ser aprovada em plenário, mas o processo na comissão e o relatório que foi aprovado por 10 votos a 1 são uma boa matéria-prima para analisar os limites da desinstitucionalização da política.
Boca Aberta, para quem ainda não conhece, é uma espécie de Professor Galdino de Londrina. Um sujeito sem apoio de instituições da sociedade civil e sem herança política que se elegeu vereador pedalando uma bicicleta com alto-falante e fazendo discursos contra tudo e contra todos. Desse jeito, com alguns percalços – como a cassação temporária de seu mandato como vereador –, chegou à Câmara Federal e ainda conseguiu eleger o filho Boca Aberta Jr para a Assembleia Legislativa.
Na Câmara, Boca Aberta seguiu a mesma estratégia retórica que usa nas ruas de Londrina: grita, acusa e se apresenta como único representante legítimo do povo. Mais que isso, refere-se ao seu mandato como “o povo”.
Brasília, entretanto, é a materialização da estrutura institucional brasileira. Com todo respeito a Londrina, para ter efeitos na Capital o grito anti-institucional tem que ser mais forte, mesmo neste 2019.
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Sem modular seu discurso, o deputado seguiu com seu alto-falante ligado e apontando para qualquer inimigo que pudesse render um bom vídeo para as redes sociais. Num desses ataques acossou um médico que dava plantão em um hospital de Jataizinho, na região de Londrina. Sem pacientes aguardando atendimento, o médico foi dormir em um quarto no hospital. Nesse momento Boca Aberta chegou, sempre acompanhado de sua equipe de vídeo. E, já que não havia a tradicional cena de filas de espera em hospitais públicos, decidiu invadir a sala de descanso dos médicos, acordar o profissional e acusá-lo do que bem entendesse, construindo a inverídica narrativa de que seu sono causara atrasos nos atendimentos. Resultado: o médico foi parar nas redes sociais do deputado, com cara de sono e sendo acusado de mau profissional.
A associação médica reagiu, provocou a Frente Parlamentar da Medicina e o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), presidente da Frente, capitaneou a denúncia apresentada ao Conselho de Ética via Partido Progressista. Boca Aberta reagiu a seu modo, com novos ataques. Além do médico de Jataizinho, passou a acusar o deputado Hiran de ser corrupto e de ter interesses políticos – o que gerou uma nova denúncia contra o paranaense no Conselho.
Instaurado o processo, Boca Aberta insistiu na estratégia do homem simples perseguido pelas instituições. Mas em vez de parecer um Davi combatendo Golias, lembrou mais Pedro Malasartes.
No relatório do deputado Alexandre Leite (DEM-SP), aprovado pelo Conselho de Ética, fica claro que o que começou como uma denúncia pontual de possível “abuso das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional” foi crescendo conforme o deputado paranaense buscava estratégias para protelar e deslegitimar o trabalho do conselho.
No relatório, Alexandre Leite cita, por exemplo, o modo como Boca Aberta fugia das notificações com o objetivo de atrasar o processo.
Nas palavras do relator, o que se presenciou durante a instrução probatória “foi a atuação claramente orientada pela má-fé do Representado, que, a todo o momento, buscou provocar nulidade em proveito próprio. Permanente e sub-repticiamente [...] manipulou a verdade dos fatos, trazendo documentos diversos, sem correlação com as alegações”.
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Depois de tensionar a relação com os deputados e tentar deslegitimar a todo momento o trabalho do Conselho, ao ver que a investigação não iria sucumbir a ataques desprovidos de fundamento, Boca Aberta mudou a estratégia. Em uma ação de inspiração ainda mais pedromalasartiana, na sessão em que seria lido e votado o relatório, o deputado decidiu pedir desculpas e assumir os erros que cometeu. Desculpou-se com o presidente da Comissão, com o relator, com o deputado Hiran Gonçalves e com os servidores que trabalham no colegiado. Prometeu até subir à tribuna do plenário e fazer de lá esse pedido de desculpas. As súplicas, entretanto, tiveram pouco efeito.
É verdade que, no fim das contas, o Conselho não acatou o pedido de cassação do mandato feito originalmente pelo relator e abrandou a pena, optando pela suspensão de seis meses. Ainda assim, um semestre afastado da Câmara, caso a punição seja confirmada, pode trazer grandes prejuízos às aspirações políticas do deputado, que sonha em ser prefeito de Londrina. Sem o gabinete, as verbas e os assessores pagos pela Câmara, a campanha de boca aberta pode enfrentar mais dificuldades para decolar.
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