Enquanto tomava café da manhã em um hotel no Setor Hoteleiro Norte, em Brasília, Luiz Carlos Hauly (PSDB) foi abordado três vezes por sujeitos que tinham pinta e papo de empresários. Queriam saber dele o que podiam esperar das reformas tributárias que tramitam no Congresso Nacional. Nada mal para um político que há cerca de um ano sofreu a maior derrota eleitoral de sua carreira e, pela tendência, amarguraria um período no ostracismo.
Em 2018, Hauly obteve apenas 35 mil votos na disputa por uma cadeira na Câmara dos Deputados e ficou sem assento na Casa pela primeira vez desde 1991, quando estreou na política nacional. As ondas do bolsonarismo e da renovação política foram impiedosas com o tucano e o substituíram por Boca Aberta (Pros) e Filipe Barros (PSL) – os mais votados na região de Londrina, no Norte do Paraná.
A derrota parecia ter interrompido o curso da principal batalha que ele vinha travando no parlamento: a aprovação de uma reforma tributária. Desde o fim de 2016, quando assumiu a relatoria da Comissão Especial da Reforma Tributária, o deputado dedicou toda sua energia política ao projeto. Foi um caso sério de ideia fixa: como Eduardo Suplicy com a renda básica, ou Marcos Cintra com o imposto único.
Em linhas gerais, o que a proposta costurada por Hauly faz é transformar nove tributos em dois. IPI, IOF, PIS, Pasep, Confins, salário-educação, Cide-combustíveis, ISS e ICMS virariam dois novos impostos do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado): um de competência estadual e outro federal.
A proposta, que foi aprovada na comissão especial da Câmara em dezembro de 2018, não chegou a ser analisada pelo plenário na legislatura anterior. E esse foi o caminho que Hauly encontrou para voltar à atividade política. Já após o início da nova legislatura, em fevereiro deste ano, ele botou o projeto embaixo do braço e andava de um lado para o outro do Congresso Nacional oferecendo palestras sobre o conteúdo da proposta, tentando fazer com que o texto prosperasse. Contando os quase três anos em que tem trabalhado no projeto, Hauly já deu 228 palestras sobre o tema.
Circulando pelo Congresso com a intimidade conferida pelos quase 30 anos como parlamentar, ele não teve dificuldades em acessar lideranças partidárias e apresentar suas novas credenciais: consultor tributário, sócio da Hauly Consultoria Tributária, empresa criada no dia 13 de março deste ano em sociedade com seus dois filhos.
Por algumas semanas, os planos de Hauly pareciam andar de acordo com o esperado pelo ex-deputado e o lobby vinha servindo, como ele mesmo disse, para sublimar a derrota eleitoral. Enquanto a Câmara se ocupava de discutir a reforma da Previdência, ele ia arando o terreno da reforma tributária. O trabalho, entretanto, foi atravessado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que no começo de abril apresentou uma outra proposta de reforma, concebida pelo economista Bernard Appy.
Por um tempo o paranaense ainda insistiu na disputa e fazia marcação cerrada em lideranças partidárias e no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) para convencê-los de que sua proposta era mais completa. O método era prosaico: uma folha de caderno riscada ao meio – do topo à base. De um lado, com muito mais informações, os pontos positivos de seu projeto; de outro, os do projeto de Appy.
A tática de Hauly não funcionou e Maia deu a bênção à proposta de Baleia Rossi, que agora tramita na Câmara.
Preterido, o texto de Hauly poderia ter caído no buraco que já engoliu tantas tentativas de reforma tributária, mas foi adotado pelo presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e segue vivo no Congresso. Para entender como isso aconteceu, é importante olharmos para o interior do Paraná, na década de 1970.
De Londrina a Brasília
A família de Luiz Carlos Hauly é umas dessas personagens-tipo da colonização do Norte do Paraná. Imigrantes libaneses que vieram para o Brasil nas primeiras décadas do século XX e se estabeleceram inicialmente no interior de São Paulo, de onde partiram para a região de Londrina. Lá, viveram as glórias e as crises do café. Após terem estabelecido três lojas de calçados, chapéus e confecções em cidades da região, perderam tudo em uma das quebras da safra de café.
O hoje consultor tributário faz uma análise à posteriori dos motivos das falências. Segundo ele, as vendas eram feitas e registradas em livros e só eram pagas depois da colheita do café, o que podia levar até quatro anos. Nesse tempo, entretanto, seus pais não faziam correção monetária nem aplicavam juros sobre a conta. Aí a inflação comia todo o crédito.
O mais novo entre oito irmãos, Hauly começou a carreira política em Cambé, em 1971, quando se filiou ao MDB. Na cidade que hoje é conurbada a Londrina, foi eleito vereador em 1972 com o apoio de uma das principais lideranças emedebistas da região, Alvaro Dias, hoje senador pelo Podemos.
A partir daí, a carreira política dos dois evoluiu: Hauly virou secretário municipal e depois prefeito de Cambé. Em, 1974, Alvaro foi o deputado federal mais votado do Paraná, depois chegou ao Senado, em 1983, e ao governo do estado, em 1986. No Palácio Iguaçu, convidou o antigo companheiro de partido para ser seu secretário da Fazenda. À época, Hauly já tinha obtido seu diploma de economia pela UEL – faculdade que fez enquanto já estava na vida pública, após se formar em Educação Física – e certa fama de prefeito empreendedor.
Ele comandou as finanças do estado até 1990 e de lá saiu para seu primeiro mandato como deputado. Em Brasília, manteve as relações políticas com Alvaro, de quem foi correligionário também no PSDB. No Congresso, a atuação política do ex-secretário de Fazenda sempre foi orientada para assuntos tributários: Lei Kandir, Simples Nacional e tentativas de implementar o que é hoje uma obsessão: o Imposto sobre o Valor Agregado.
A retomada
Foi justamente pelas mãos do antigo companheiro Alvaro Dias que a proposta de reforma tributária de Hauly foi resgatada. Após assistir a uma das palestras do consultor tributário, o senador decidiu que seria uma boa ideia se o Senado encampasse a proposta e tivesse um texto para chamar de seu. A ideia foi levada a outros líderes e ao presidente da Casa.
O contexto impulsionou o projeto de Hauly. Desde o início do ano, os senadores estão insatisfeitos com o modo como os projetos têm sido debatidos no Congresso Nacional. A principal queixa é que a Câmara demora muito na análise de propostas relevantes e relega o Senado ao segundo plano do debate legislativo. Essa reclamação aconteceu na reforma da Previdência e, sobretudo, em medidas provisórias enviadas pelo governo – que têm prazo para apreciação. Com o movimento, Alvaro garantiu o protagonismo do Senado com um texto que já tinha sido submetido a análise de parte da Câmara durante sua tramitação na Comissão Especial.
O projeto foi apresentado a outros senadores em uma reunião realizada na manhã de uma terça-feira de julho, na residência oficial da presidência do Senado. Poucas horas depois, no fim da tarde da mesma terça-feira (09/07), o texto já estava protocolado como Proposta de Emenda à Constituição n° 110, de 2019, com a assinatura de 66 dos 81 senadores da República.
O futuro
Ainda não é possível saber se a proposta de Hauly vai prosperar. Segundo ele – que dos tempos de educador físico guarda o hábito de jogar basquete mesmo à beira dos 70 anos – o projeto está nas quartas de final. Além do texto que tramita na Câmara, sua proposta pode ter que disputar espaço com uma eventual PEC do governo – hipótese que ficou um pouco mais distante depois que Marcos Cintra foi demitido do comando da Receita Federal.
O que Hauly prevê é que os dois textos que já tramitam disputem o apoio do governo. E aí ele conta com as boas relações com o secretário da previdência, Rogério Marinho, e com o novo chefe da Receita Federal, José Tostes, para que sua proposta vingue.
Outra possibilidade, que tem mais força no Congresso Nacional, é que se chegue a um texto que misture elementos das duas propostas que já tramitam, agregadas às preferências do governo federal.
Hauly não vê a ideia com bons olhos porque, sem falsa modéstia, diz: “a Proposta da Câmara já está na minha porque ela é menor”.
A obstinação do ex-deputado parece um misto de crença republicana, com vaidade e o espírito de competição típico dos atletas. A perseverança, segundo ele, vem da necessidade de “fazer o óbvio, o que deve ser feito, além de consagração pessoal, política, profissional e intelectual”.
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