A política nacional tem sido muito mais pródiga em nos apresentar pontos de discórdia que de concórdia. Um desses muros é o do funcionamento das instituições: de um lado os que acreditam que elas estejam funcionando normalmente; de outro os que acham isso de um otimismo risível. Nessa clivagem, pendo para o lado dos que relutam em ver normalidade institucional no Brasil atual. Isso não me impede, entretanto, de achar que em um ponto específico as instituições estejam funcionando exatamente do modo esperado.
Há uma extensa discussão na Sociologia e na Ciência Política sobre as funções das instituições. Uma das ideias recorrentes é que elas estão ligadas ao sentimento de regularidade, permanência e consolidação de expectativas. Em um terreno como a política, incerto por natureza, essa redução no grau de incertezas é louvável. Tanto o é que, para alguns autores, quando as instituições conseguem atuar na manutenção das certezas, elas subsistem mesmo diante da ineficácia de suas funções primordiais.
É exatamente esse ponto do funcionamento das instituições que me parece estar operando de acordo com o manual. Olhemos para o Congresso Nacional para ilustrar essa tese.
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Uma das principais incertezas decorrentes das eleições do ano passado era como um Congresso com muitos parlamentares de primeiro mandato, eleitos sobre as bases mais extremadas do bolsonarismo, trataria das questões relevantes para o país. Com nove meses de instalação da nova legislatura já é possível arriscar um palpite: de modo muito semelhante aos congressos anteriores.
Os parlamentares moderados, aqueles cujas ações têm alguma previsibilidade, assumem o comando das grandes questões; os mais radicais, imprevisíveis, seguem no mesmo joguete ideológico que deu tom à campanha eleitoral.
A bancada paranaense na Câmara dos Deputados traz um bom número de exemplos dessa tese.
Sargento Fahur (PSD) foi o deputado federal mais votado no estado. Estrondosos 315 mil votos decorrentes de uma defesa radical das forças de segurança pública, com desprezo aos direitos humanos, feita em vídeos divulgados nas redes sociais. A retórica de Fahur segue a mesma, mas sua atuação legislativa é inexpressiva e ele não ocupa postos de destaque na Câmara.
Outro exemplo é o do deputado Boca Aberta (Pros) – a visão platônica da instabilidade. O londrinense parece ter radicalizado ainda mais seu discurso desde que tomou posse na Câmara. Resultado? Enfrenta um processo no Conselho de Ética e quanto mais tensiona com os pares, mais coloca seu mandato em risco. O deputado, quase desnecessário dizer, também não ocupa posições relevantes no Legislativo.
Houve, por outro lado, os paranaenses que entenderam que há o momento de apostar numa atuação radical, de aparente impetuosidade, e o momento de agir com racionalidade e regularidade.
O exemplo principal é Felipe Francischini (PSL). O candidato radical, provocativo e quase inconsequente que obteve expressivos 242 mil votos nas eleições de 2018 parece uma figura distante do atual parlamentar. Aos 28 anos de idade, ele incorporou a memória institucional dos 195 de história da Câmara dos Deputados e hoje fala muito mais em “legalidade”, “regimento”, “acordo” e outras palavras associadas à manutenção da ordem das coisas.
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Se ainda restam dúvidas, olhemos para os dois principais projetos que tramitam no Congresso Nacional. A reforma da Previdência foi relatada por tucanos – espécie que os bolsonaristas julgavam extinta – nas duas casas. Na Câmara, Samuel Moreira; no Senado, Tasso Jereissati. A tributária também não ficou na mão dos radicais. O relator da PEC da Câmara é Aguinaldo Ribeiro (PP), uma das principais figuras do Centrão (nada mais previsível que o Centrão). No Senado, o texto é relatado por Roberto Rocha (PSDB).
Não são, portanto, os que apostam nos extremos – aqueles que falam com a autoridade de quem incorporou o zeitgeist – que têm se destacado no Congresso Nacional. O trabalho de verdade, para o bem ou para o mal, está a cargo dos parlamentares bem conformados aos moldes institucionais.
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