A capa da edição impressa da Gazeta do Povo de 9 março de 2019 anunciava em tom de denúncia uma reportagem escrita por mim e pela repórter Catarina Scortecci que mostrava como dinheiro dos fundos públicos de campanha que deveria financiar candidaturas femininas acabou nas mãos de candidatos homens. A história é grave e, modéstia à parte, mereceu a capa, mas se denúncia semelhante aparecer nas eleições municipais de 2020 eu terei até vergonha de sugerir como matéria de capa à minha editora.
Com as novas regras para o uso do Fundo Eleitoral aprovadas recentemente pela Câmara dos Deputados – e que aguardam sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL) –, o desvio de dinheiro da cota feminina para financiar candidaturas de homens será café pequeno.
O texto inicial da proposta era simples e tinha o objetivo específico – e necessário – de incorporar o Fundo Especial de Financiamento de Campanha à legislação eleitoral. Remendado por relatórios furtivos e debatido em sessões geralmente noturnas, o texto virou um monstrengo que abre espaço para que dinheiro público de financiamento de campanha seja usado para um número cada vez maior de despesas, com a possibilidade cada vez menor de controle e transparência. Andamos para trás.
Os exemplos mais citados – porque mais absurdos – são a possibilidade de os partidos usarem dinheiro público de financiamento de campanha para comprarem imóveis, pagarem multas à Justiça Eleitoral e contratarem advogados para atuarem em qualquer processo judicial e administrativo de interesse partidário, ou que envolva candidatos do partido e que sejam relacionados ao processo eleitoral.
OPINIÃO DA GAZETA: Imoralidade eleitoral
Um exemplo das consequências possíveis é um candidato cometer irregularidades durante a eleição, pagar sua defesa com dinheiro público e, caso condenado, pagar a multa também com dinheiro público.
A ação da bancada paranaense
As novas regras foram aprovadas na Câmara com o apoio de 16 dos 30 deputados federais do Paraná. Durante a sessão plenária que derrubou alterações do Senado que deixavam o texto mais republicano, nenhum paranaense que colaborou para aprovação dessas regras permissivas subiu à tribuna para expor seus motivos. Nos dias seguintes à aprovação, os parlamentares do Paraná, geralmente ativos nas redes sociais, não publicaram comentários ou justificativas sobre seu posicionamento.
A ação dos deputados favoráveis a esse retrocesso é movida por um cálculo de perdas e ganhos. Ainda que a imagem pública fique comprometida por um tempo, a maior quantidade de dinheiro e a menor fiscalização de seu uso nas eleições é algo que compensa o risco.
No Paraná, os partidos que votaram para se beneficiar das novas regras foram o DEM, de Pedro Lupion; o MDB, com os votos de Hermes Parcianello e Sergio Souza; o PL (antigo PR), de Christiane Yared e Fernando Giacobo; o PP, de Ricardo Barros e Schiavinato; o PSB, de Luciano Ducci; o PSD de Vermelho e Stephanes Junior; o PT, de Enio Verri, Gleisi Hoffmann e Zeca Dirceu; e o Republicanos (antigo PRB), de Aroldo Martins e Luizão Goulart.
Muitos desses deputados são também dirigentes partidários estaduais e municipais e caberá a eles gerenciar parte desses recursos públicos para campanha. Pedro Lupion, por exemplo, é presidente estadual do DEM – função que antes era exercida por seu pai, Abelardo Lupion. Ricardo Barros é o principal cacique do PP, partido no qual também estão sua filha, a deputada estadual Maria Victoria, e esposa, a ex-governadora Cida Borghetti.
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Aprovado pelo plenário da Câmara, o texto deixa claro que esse personalismo e a pouca vontade de prestar contas sobre a gestão de partidos políticos não são exclusividades do Paraná. Entretanto, um estado em que os mesmos sobrenomes se revezam por gerações no comando das legendas não pode abrir mão de regras que forçam a transparência da gestão partidária. Em 2020, o controle interno dos partidos seguirá com os tradicionais olhos fechados e o controle externo terá menos ferramentas para atuar. O resultado não será bom.
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