Há alguns momentos difíceis na carreira de todo jornalista. O pior deles é, certamente, errar. Acontece, mas dói. Pela minha hierarquia, ser furado por um colega é a segunda grande decepção da classe: é frustrante ver em outras páginas uma história que queria ver escrita por mim. Novamente, faz parte, mas é duro. Nessa última semana eu fui furado e, confesso, ainda não me recuperei do golpe. Há pelo menos dois meses venho ensaiando escrever essa coluna sobre como uma agência reguladora composta exclusivamente por servidores comissionados é uma incoerência institucional que impede o devido exercício da regulação. É justamente essa a composição da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infraestrutura do Paraná, a Agepar, que entre outras coisas regula a concessão dos pedágios do Paraná.
Quem me furou nessa análise foi Nelson Leal Junior, ex-diretor geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná (DER). Ele é um dos delatores da Operação Integração, investigação ligada à Lava Jato que na última semana prendeu, entre outros, Pepe Richa, irmão do ex-governador Beto Richa (PSDB) que comandou a secretaria de Infraestrutura e Logística do estado, e diversos empresários ligados às seis empresas concessionárias de pedágio no Anel de Integração do Paraná.
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Em um dos depoimentos que prestou ao Ministério Público Federal, Leal afirmou que “supostamente esta seria a agência reguladora de concessões”, mas que “na prática, a agência era controlada pelo Governo, sendo todos os cargos indicados pelo Governador, sendo que nesse contexto ela tinha caráter meramente simbólico e não exercia efetiva fiscalização”.
A crueza do relato de quem conhecia o esquema a ponto de se beneficiar dele choca, mas não pode surpreender.
A Agepar foi criada legalmente em 2002, mas implantada apenas em 21 de novembro de 2012. Uma das incumbências da agência é exercer a regulação e fiscalização dos contratos das rodovias do Anel de Integração do Paraná. Para isso, conta com 29 servidores, de acordo com o Portal da Transparência do governo do Paraná. Todos eles são comissionados, ou seja, podem ser nomeados e exonerados sem nenhuma justificativa, a critério, em última análise, do próprio governador. Ainda que uma parte do quadro funcional seja de servidores efetivos de outros órgãos lotados na Agepar, essa lotação também foi via cargo em comissão. Ou seja, mesmo os concursados estão sujeitos à interferência direta do governo.
Em 2018, seis anos após a Agência entrar em funcionamento, o governo do Paraná promoveu o primeiro concurso público para contratar servidores para o órgão. O resultado já foi publicado, mas os 20 aprovados não foram nomeados. Segundo a assessoria da Agepar, a nomeação não ocorreu em decorrência das vedações impostas pela legislação eleitoral. Devem, portanto, acontecer a partir de novembro.
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A livre nomeação e exoneração acontece para os funcionários; diretores e o presidente, apesar de também serem escolhidos pelo governo, dependem da anuência da Assembleia Legislativa para serem nomeados. Para isso, os parlamentares têm a obrigação de sabatinar os indicados.
Os deputados, entretanto, não parecem estar muito dispostos a gastarem energia – e crédito com o governo – no escrutínio dos nomes apresentados pelo Executivo. O atual diretor-presidente, Omar Akel, assumiu em abril deste ano. A repórter Katia Brembatti, que acompanha de perto o tema dos pedágios paranaenses, foi à sabatina do atual presidente da Agepar na Assembleia. Em sua reportagem, ela relatou que “a sabatina transcorreu em clima harmonioso, com mais elogios do que perguntas incisivas”.
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Outro destaque registrado por Katia Brembatti foi a baixa presença de deputados. Dos seis titulares da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicação, três não estavam presentes: Marcio Pauliki (PDT), Pastor Edson Praczyk (PRB) e Felipe Francischini (SD). O único suplente que participou foi Rasca Rodrigues (PV).
Quando a sabatina começou, Paulo Litro (PSDB) “chegou a dizer que os currículos dos indicados por si só já indicavam que teriam condições de assumir, mas que era necessário cumprir a exigência legal de fazer uma sabatina”. Assim, como se aquela formalidade fosse um breve empecilho a ser superado.
O fruto dessa relação harmoniosa são situações como as descritas na delação de Leal. Ele cita, por exemplo, que em reuniões no Palácio Iguaçu a cúpula do governo pressionava para que os pareceres da Agepar fossem favoráveis aos aditivos nos contratos de pedágio. Dessa negociação, segundo o MPF, é que decorria a propina recebida pelos agentes políticos.
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