Nos cinco primeiros meses de mandato, o governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) já agiu duas vezes de modo diverso ao que defendia há cerca de um ano, quando era deputado estadual e estava aquecendo os motores para disputar as eleições para o governo do Paraná. Esses momentos foram, por enquanto, duas das maiores pedras no sapato da atual gestão. Não necessariamente pela contradição do governador, mas pela dimensão dos fatos em si: o aumento de 12% na tarifa de água e esgoto da Sanepar e as negociações para o pagamento do reajuste dos servidores.
Em junho de 2018, a então governadora Cida Borghetti (PP) enviou para a Assembleia Legislativa uma proposta de reajuste de 1% nos salários do funcionalismo. O percentual, abaixo da inflação registrada, foi a primeira sinalização de reajuste desde o congelamento instituído pelo ex-governador Beto Richa (PSDB) em 2016. O então deputado Ratinho Junior, articulou com deputados aliados a apresentação de uma emenda que elevava o percentual para 2,76% – inflação registrada no período.
Marcio Nunes (PSD), hoje secretário de Meio Ambiente, que à época era o líder formal da bancada do PSD, provocou o grupo de Cida. “O governo está demonstrando que tem estabilidade, tanto que está criando novas secretarias, distribuindo cargos e recursos para prefeituras. Então, se há recursos, os servidores públicos têm direito ao reajuste”, disse. Temendo a aprovação da emenda, o governo retirou a proposta inicial e os servidores do Executivo terminaram mais um ano sem aumento no salário.
Agora como governador, Ratinho faz exatamente o mesmo discurso de Cida e Beto Richa. Alega restrições orçamentárias, cita os perigos de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal e pede compreensão aos servidores. As justificativas são sólidas, mas as palavras ditas em 2018 fragilizam a argumentação atual.
No caso do reajuste da Sanepar, Ratinho agiu de modo parecido. Em 2018, como deputado, apresentou um requerimento para suspender o aumento de 15% na tarifa da Copel. No documento, ele afirmava que o aumento penalizava a sociedade enquanto “de outro lado, é sabido que os acionistas querem mais e mais lucro”, argumentava.
Já governador, ele adotou tom muito diferente ao comentar o aumento de 12,13% nas tarifas de água e esgoto da Sanepar aprovadas em abril pela Agência Reguladora do Paraná (Agepar). Ele afirmou que os cálculos levavam em conta critérios técnicos estabelecidos pela Agepar e que o dinheiro proveniente do aumento da tarifa seria utilizado em investimentos para levar saneamento básico a pessoas desassistidas. Desta vez, nada foi dito a respeito do apetite dos acionistas sobre os lucros da companhia.
Ratinho Junior não é um ponto fora da curva. Ver o gestor tropeçando nas palavras que disse durante campanhas eleitorais ou em momentos em que estava na oposição é comum na política. Aí está, por exemplo, o caso do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que após mais de duas décadas de uma espécie de sindicalismo militar calcado em uma retórica estatista agora patrocina uma reforma previdenciária em que precisa argumentar o contrário do que sempre advogou.
A frequência com que isso ocorre enseja tanto uma reflexão sobre a ação política de quem governa como de quem está na oposição.
Aos gestores parece faltar uma dose de arrojo – e muitas vezes de conhecimento – para sair do imobilismo que toma conta de toda gestão pública. Processos administrativos para fins comezinhos parecem exigir esforço hercúleo. Escutar um prefeito ou governador relatando os trâmites para contratações de serviços simples, como guinchos, por exemplo, lembra Homero narrando a Odisseia de Ulisses para voltar a Ítaca.
Aos opositores, o que falta é senso de responsabilidade e objetivos mais republicanos que a pura desconstrução da imagem do mandatário. Sem isso, a cada declaração radical, a cada “eu jamais faria isso se estivesse no governo”, o oposicionista de hoje joga cascas de banana para que ele mesmo tropece quando as posições políticas mudarem. E elas sempre mudam.
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