Nas eleições de 2016 o então candidato à reeleição Gustavo Fruet (PDT) escreveu 74 vezes a palavra “crise” em seus posts de campanha no Facebook. No mesmo período e também no Facebook, Rafael Greca (PMN) escreveu a palavra apenas duas vezes. Fruet falou mais em “crise” que em “transporte”, por exemplo. Greca, por outro lado, usou mais vezes o incomum adjetivo “excelso” que o substantivo “crise”*.
As eleições de 2016 são águas passadas, mas esse exemplo nos dá boas pistas para entendermos o que acontece hoje no governo do Paraná. Quem acompanha as notícias vindas do Palácio Iguaçu deve ter percebido a virada de chave a respeito do caixa do governo. Enquanto Beto Richa (PSDB) olhava para as finanças do estado com o mesmo entusiasmo que um trabalhador olha sua conta bancária após o dia 20, Cida parece ver o salário cair todos os dias, repetidamente.
A realidade financeira do estado em 2018 não é mais animadora que em anos anteriores. Os últimos dados consolidados, relativos ao primeiro quadrimestre, mostram uma queda real da receita corrente líquida de 5,25% se comparada com o mesmo período de 2017.
O que mudou mesmo foi o olhar do chefe do Executivo. Cida aposta nessa breve passagem pelo governo como o principal trunfo para viabilizar sua eleição. Nessa situação não há tempo para lamentar a queda de arrecadação ou o excessivo comprometimento da despesa com a máquina pública, roteiro certo de governadores recém-empossados.
Porque depende do bom funcionamento do governo, Cida tem viajado o estado assinando convênios, ordens de serviço e editais de licitação. Para fazer isso a governadora tem insistido em expedientes administrativos que estão no meio termo entre o “não é possível fazer porque não temos dinheiro” e o “aqui está o dinheiro, comecemos agora”. Vamos aos exemplos.
Recentemente, a governadora assinou um decreto que declara de utilidade pública para fins de desapropriação a área onde deve ser construído o aeroporto regional do Oeste. A declaração de utilidade é de fato um primeiro passo para a compra das terras, mas dela não deriva nenhum gasto imediato. Os R$ 10,5 milhões que o governo estima gastar nas desapropriações até estão empenhados, mas até que sejam liquidados e, de fato, pagos, que é quando o recurso sai do caixa, há um longo processo burocrático. Além disso, nesse tipo de ação existe sempre a possibilidade de um proprietário discordar da avaliação do seu imóvel por parte do estado e recorrer à justiça.
Outro exemplo é quando a governadora, em uma viagem a Cornélio Procópio, alimentou as esperanças de instalação de um curso de Medicina na Universidade Estadual do Norte do Paraná. “O curso será um novo fator de desenvolvimento da região, com efeitos positivos sobre o Norte Pioneiro e municípios próximos”, comemorou Cida em um evento com políticos locais.
Apesar da pompa, o decreto que embasou o anúncio foi publicado no Diário Oficial com o seguinte teor: “autorizo a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e a Universidade Estadual do Norte do Paraná a envidarem os esforços necessários para viabilizar a efetiva criação e implantação do Curso de Graduação em Medicina”.
O anúncio do gerou entusiasmadas manchetes nos jornais do Norte Pioneiro, mas entre a governadora determinar que uma secretaria envide esforços para a criação de um curso medicina e a efetiva instalação desse curso, convenhamos, há um longo caminho. Lembremos que há quatro meses as universidades estaduais suspenderam o início do calendário acadêmico porque não foi possível contratar a quantidade necessária de professores para os cursos já existentes.
Foi essa postura que colocou Cida na maior crise política de seu breve governo. Ao sinalizar aos servidores que concederia reajuste salarial, a governadora animou os funcionários públicos que estão com os salários congelados desde 2016. Na hora de aprovar o aumento, a realidade se impôs e com poucos recursos e premido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo ofereceu apenas 1%. Os servidores não aceitaram, a oposição botou lenha na fogueira com uma emenda propondo 2,76% e Cida teve que recuar e arcar com as consequências políticas da não concessão do reajuste.
Agindo como se o maior problema do estado fosse falta de tinta na caneta e não de dinheiro em caixa, a governadora cria expectativas difíceis de serem atendidas. No longo prazo, isso enfraquece a já combalida confiança nas instituições. No curto prazo, que é o horizonte com o qual trabalho o governo, o importante é não falar em crise.
* Os dados foram compilados pelo grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública da UFPR e analisados por mim com a ajuda de um software de análise textual.
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