As emendas parlamentares estão num grupo de expedientes da administração pública que parecem sempre levantar alguma suspeita. No mesmo balaio estão, por exemplo, as compras por dispensa de licitação e os aditivos contratuais. O caminho das emendas até o status de “deve ter alguma coisa errada nisso aí” foi pavimentado por doses de desinformação, personalismo na ação política, barganhas pouco republicanas e uso de dinheiro público dissociado de qualquer planejamento.
Em defesa das emendas, parlamentares costumam argumentar que elas são uma forma de suprir necessidades da população que muitas vezes não são de conhecimento da burocracia federal e, por isso, ficam fora do orçamento.
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A despeito das críticas e da má fama, em 2019 as emendas atingiram seu ápice. A situação é fruto de um ensaio de parlamentarismo informal que vem acontecendo ao longo do ano. Eis o contexto: com dificuldades de articulação política, o governo está com pouco cartaz no Congresso Nacional. Diante disso, deputados e senadores decidiram aumentar seus poderes na elaboração do orçamento federal e promulgaram, em junho, uma emenda à Constituição que prevê a execução obrigatória das emendas apresentadas pelas bancadas estaduais. Além disso, o valor reservado a essas emendas foi elevado. Ou seja, deputados e senadores têm mais dinheiro para alocar no orçamento e não dependem mais de barganhas com o Executivo, já que agora o governo tem obrigação de executar o que as bancadas determinarem.
A esse movimento soma-se o fato de o orçamento de investimentos proposto pelo Executivo ser o mais baixo da história, o que faz das emendas parlamentares algo ainda mais valioso.
O contexto, que poderia ensejar o aprofundamento das características negativas das emendas – e pode ser que isso ainda aconteça em boa parte dos casos – também abriu espaço para arranjos interessantes, como o construído entre a bancada paranaense e o governo estadual.
O governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) e sua equipe perceberam essa mudança nos postos-chave de elaboração do orçamento e não concentram seus pedidos na burocracia do governo federal. No começo de outubro, o governador e seus principais secretários estiveram em Brasília para uma reunião com a bancada, realizada em um restaurante no Lago Sul. Entre rodadas de galeto e polenta, os comandantes do Palácio Iguaçu entregaram aos deputados e senadores um cardápio de obras e programas em que o governo estadual tinha interesse de investir, mas não tinha recursos suficientes.
A iniciativa do governo é interessante na medida em que alinha as emendas às prioridades definidas pelos gestores. Assim, evita-se a pulverização do dinheiro, que geralmente faz com que os resultados dos investimentos sejam menos perceptíveis.
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Para funcionar, entretanto, a articulação precisaria da anuência dos deputados federais – que, em tese, não teriam obrigação de acatar os pedidos do governo. Para isso, o Palácio Iguaçu recorreu a um sistema de contrapartidas que deu resultado.
No caso da aquisição de ônibus escolares e equipamentos para agricultura, prioridades do governo estadual que receberam 48% do total de R$ 247 milhões em emendas de bancada, a cada dois reais de dinheiro federal o governo do estado se comprometeu a aportar mais um real. No dinheiro para atendimentos de Média e Alta Complexidade na saúde, outra prioridade, a cada um real no orçamento da União, o Palácio Iguaçu colocará mais um real.
Em todos os casos, além da contrapartida financeira o governo também se comprometeu a distribuir o bônus político dos investimentos. Na prática, deputados garantem seu lugar nos palanques que serão montados para a entrega de ônibus escolares, equipamentos agrícolas e obras de asfaltamento.
A articulação entre governo e bancada não resolve todas as contradições inerentes ao caráter personalista das emendas parlamentares, mas tem a inegável virtude de aplicar esses recursos em sintonia com o planejamento para o estado.