Ao comemorarem o sucesso de suas gestões, muitos governadores apresentam como prova o fato de os salários do funcionalismo estarem sendo pagos em dia. É um pouco melancólico que obrigações tão comezinhas sejam comemoradas, mas faz lá certo sentido. A situação das finanças estaduais é lastimável. De Norte a Sul, os estados perderam capacidade de investimento e foram sufocados pela estagnação da receita e o crescimento constante do gasto corrente. Imagino que como boa parte de nós, os governadores olham para as contas estaduais pensando que uma grana extra cairia bem.
A expectativa de muitos governadores era de que esse dinheiro viria dos repasses da Lei Kandir – pagamentos que a União deveria fazer aos estados para compensar as perdas com a desoneração de ICMS sobre produtos para exportação. Isso até a tarde do último dia 28, quando Paulo Guedes, o ministro da Economia, enterrou essa possibilidade. Em uma audiência com senadores na Comissão de Economia e Finanças, Guedes afirmou que a “Lei Kandir está morta”. “Há muito tempo”, completou.
Guedes disse que além do fato de o Tribunal de Contas da União ter o entendimento de que os repasses não são mais devidos aos estados, a União não teria condições de pagar o valor reclamado pelos governadores. A culpa, diz, é do anatocismo. A mesma prática de cobrança de juros compostos que a União defende nas dívidas em que é credora é apontada como empecilho para o pagamento nos casos em que deve.
Um estudo feito pelo Instituto Rui Barbosa – braço de pesquisa e capacitação dos tribunais de contas estaduais – aponta que em 20 anos, as perdas de estados e municípios somam R$ 548 bilhões. Desse total, R$ 46 bilhões seriam devidos ao Paraná. A União não reconhece esses cálculos, que embasaram uma ação do governo do Pará cobrando esses pagamentos.
Depois do balde de água fria nos governadores, Guedes faz afagos. Na mesma audiência no Senado Federal ele falou sobre redefinir a partilha da cessão onerosa do petróleo, privilegiando os estados. Nas contas pouco detalhadas do ministro, a União começaria fazendo repasses de R$ 4 bilhões anuais a serem divididos entre os estados.
“Vamos mergulhar na questão do pacto federativo e redesenhar o Brasil. Esse dinheiro tem que chegar irrigando o Brasil, não os ministérios”, disse aos senadores, que receberam mal a fala taxativa do ministro de que o governo não vai pagar os repasses da Lei Kandir.
O que veio a público no dia 28 já havia sido dito reservadamente aos governadores no dia anterior, quando Guedes se reuniu com os gestores dos estados em um encontro no Palácio do Buriti, sede do governo do Distrito Federal.
Ao sair da reunião, Ratinho Junior (PSD) admitiu que os governadores estavam com dificuldade em conseguir que o governo faça os repasses. Por outro lado, ele disse que Guedes estava “bem-intencionado” em discutir com estados e municípios a distribuição da cessão onerosa do petróleo.
No atual estágio das negociações, se aceitarem a proposta de Guedes, os governadores abrem mão de pagamento incertos em troca de uma promessa duvidosa.
Assim como quase tudo o que Guedes planeja, a redistribuição de recursos que aumentaria os repasses para os estados está condicionada à aprovação da reforma da previdência, prioridade do ministro da Economia. E do modo como o governo tem batido cabeça, a reforma que parecia ter encontrado um ambiente propício para sua aprovação começa a subir no telhado.
Ainda que Guedes pareça gozar da confiança de boa parte dos governadores, os chefes dos executivos estaduais não querem fechar as portas para a possibilidade de pagamento dos repasses da Lei Kandir. O caminho para isso é a articulação com o Congresso Nacional. Os deputados são mais sensíveis aos apelos estaduais – tanto que Rodrigo Maia, presidente da Câmara, deu um chega pra lá no TCU quando o órgão sinalizou que decidiria sobre a questão. Para os deputados, o tribunal usurparia atribuições do legislativo se fizesse isso.
O fato é que apesar de sedutor, o discurso de novo pacto federativo que vem sendo apresentado a conta gotas por Guedes, carece de mais substância e garantias para que os governadores abram mão da Lei Kandir. A última tentativa pode ser um encontro de contas entre o que a União deve aos estados e o que os estados devem a União. A possibilidade, aventada pelo senador Lasier Martins (Pode-RS), livraria parte dos estados da pesada dívida que têm com o governo federal. Nessa hipótese, no caso paranaense, o estado viraria credor da União. Nas contas do Instituto Rui Barbosa, confrontadas as dívidas, o Paraná teria ainda R$ 36 bilhões a receber.
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