Todo governante parece ter uma ideia-coringa que serve como solução para problemas de diferentes áreas da administração. O ex-governador Beto Richa (PSDB), por exemplo, prometia resolver com um “choque de gestão” todas as mazelas do estado. A panaceia de Ratinho Junior (PSD) é outra: a inovação. A ideia de Richa naufragou entre desvios de recursos e velhas práticas políticas; a de Ratinho está ameaçada pela incapacidade de resolver problemas no sistema de finanças do estado. É difícil sustentar o discurso de governo inovador (4.0, na novilíngua inovadora) quando o principal e mais básico sistema do estado funciona de modo errático há quase dois anos.
O problema começou em janeiro de 2018 quando, ainda na gestão de Beto Richa, o governo iniciou o processo de implantação do novo Sistema Integrado de Finanças Públicas (Siaf), que faz todo o registro e controle da execução orçamentária, financeira e patrimonial do estado. Desde então, sem conseguir fazer o software funcionar adequadamente, os técnicos da Fazenda têm enfrentado dificuldades para realizar tarefas comezinhas da administração. Um exemplo foi quando, no começo de 2019, os servidores precisaram finalizar os relatórios e balanços anuais de 2018 de modo manual porque o sistema não gerava os documentos necessários. Com isso, a equipe da Secretaria da Fazenda fez uma força-tarefa para fechar as contas – trabalho que levou 45 dias.
Logo que assumiu o governo, Ratinho Junior chegou a dizer que em decorrência das falhas no sistema estava conduzindo um avião às cegas. Ao longo do ano, pouca coisa mudou. Renê Garcia Junior, secretário da Fazenda, disse em audiência pública na Assembleia Legislativa que “o sistema apresenta problemas estruturais”. Segundo ele, “há dificuldades enormes em termos de prestação de informações".
A situação que seria grave em momentos de cenário fiscal mais confortável, é inadmissível diante do quadro atual. Com as receitas estagnadas, o estado tem feito um esforço de redução de despesas que tem comprometido os investimentos e também os salários e benefícios dos servidores públicos. Informações corretas, atualizadas e processadas rapidamente seriam fundamentais para que a gestão estruturasse um planejamento para enfrentar essas dificuldades.
Os problemas do Siaf não afetam apenas o trabalho no Executivo. Enquanto Ratinho Junior pilota o avião no escuro, Tribunal de Contas do Estado e Assembleia Legislativa também não conseguem enxergar muito bem o que têm o dever de fiscalizar.
Outro efeito do mau funcionamento do Siaf, derivado das “dificuldades enormes em termos de prestação de informações” é a desatualização do Portal da Transparência. Receitas e despesas que deveriam aparecer detalhadamente e em tempo real não são divulgadas.
Diante dos problemas operacionais do governo, o não funcionamento do Portal da Transparência parece secundário, mas não é. E aqui vão três motivos.
O primeiro deles de ordem legal. A Lei Capiberibe, de 2009, exige a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público”.
O segundo argumento é pelo bom funcionamento da democracia. Ao menos desde o século XVIII ideias relacionadas à publicidade de informações e procedimentos públicos são pilares da democracia liberal. Recorrendo à visão utilitarista de Jeremy Bentham, a publicidade é uma forma de garantir que o poder do Estado não seja desviado para beneficiar interesses particulares em detrimento do benefício geral.
Há, por fim, um motivo que pode ser mais caro ao governador Ratinho Junior: dados públicos bem compilados e divulgados de modo organizado e aberto são matéria-prima para inovações nas políticas públicas. Sem essas informações, é improvável que a academia ou a sociedade civil organizada consigam aportar entendimentos e propostas que ajudem o governo a superar suas dificuldades.