A mudança na gestão da prefeitura de Curitiba revelou uma curiosa contradição entre Gustavo Fruet (PDT) e Rafael Greca (PMN). Impetuoso no discurso, Greca é conciliador nas disputas judiciais; já Fruet, um notório contemporizador, não economizou ações judiciais enquanto esteve à frente da prefeitura de Curitiba.
No transporte coletivo, Fruet moveu ações contra as empresas operadoras do sistema; Greca, quando assumiu, optou pelo acordo. No ICI (Instituto Cidades Inteligentes) – que cuida de todas as informações e sistemas tecnológicos do município, a mesma coisa: Fruet foi para cima; Greca levantou a bandeira branca.
Apesar de já ter sido homologado no ano passado, o acordo com as empresas de transporte ainda carece de muitas definições e detalhes. A prefeitura diz que há muito sendo discutido em grupos de trabalho entre a Urbs e as empresas do transporte. O acordo pareceu sinalizar mais uma intenção que acertos específicos.
O caso do ICI – que ainda aguarda homologação judicial –, quando anunciado pela prefeitura com uma tímida nota no fim de dezembro do ano passado, parecia seguir o mesmo caminho: muitas declarações de boas intenções e pouca informação detalhada.
A íntegra do acordo, entretanto, obtida pela coluna com base na Lei de Acesso à Informação, revela termos tão ou mais favoráveis para o município que aquilo que a prefeitura havia pedido na Justiça em agosto de 2016 – demanda sobre a qual já havia uma decisão liminar favorável à prefeitura.
Pelo acordo, o município passa a ter a propriedade exclusiva dos códigos-fonte de 194 softwares desenvolvidos pelo ICI; divide a propriedade do sistema e-Saúde – tendo acesso ao código; e terá possibilidade de usar quatro outros programas por meio de contrato do ICI com as empresas fornecedoras desse sistema.
Do ponto de vista financeiro, foi reconhecido que o ICI deve devolver à prefeitura o valor de R$ R$ 24,2 milhões referente ao “aluguel” desses softwares que foi pago entre janeiro de 2011 e março de 2013. Esse valor é inferior ao que o município pleiteava na ação original, R$ 32,3 milhões. A diferença é referente à finalização da compra do e-Saúde, cujo valor ainda não havia sido integralmente pago pelo município.
Como o município reconheceu ter dívidas no valor de R$ 47 milhões com o ICI – em valores já corrigidos – esse saldo decorrente do acordo vai abater o débito do município.
Noves fora, a prefeitura assume uma dívida de R$ 23 milhões com o ICI, que será paga do mesmo modo como o Executivo vem fazendo com os outros credores, por meio do que Rafael Greca tem chamado de leilão holandês, onde quem oferecer o maior desconto à prefeitura recebe primeiro.
Pois bem, se os termos do acordo e da petição judicial de 2016 são similares, que vantagem Curitiba leva nessa história?
Tem ficado cada vez mais evidente a dependência que o município tem do Instituto. É mais ou menos como no transporte coletivo: o prefeito pode ameaçar, pode criticar, pode levantar dúvidas e apontar irregularidades, mas romper o contrato traria o caos tanto para a administração como para os cidadãos. E, por mais que não pareça, dependemos do ICI tanto quanto dependemos das empresas de ônibus. Justamente por isso a propriedade dos códigos-fonte é indispensável para a soberania tecnológica do município.
O mérito do acordo, portanto, é justamente limpar o terreno exatamente no momento em que a prefeitura e o ICI negociam um novo acordo de gestão. Com o campo limpo, é mais fácil avançar em inovações tecnológicas e ferramentas de controle e transparência.
Terreno limpo a machadadas
Ainda que o acordo seja fruto de um extenso processo administrativo de 472 páginas de documentos e negociações, a pressão de entidades externas parece ser o principal motor desta retomada das relações. Nos últimos anos, os contratos entre prefeitura e ICI foram esmiuçados pelos órgãos de controle.
O Tribunal de Contas apontou 490 irregularidades na prestação de serviços do Instituto à prefeitura, o Ministério Público Federal tem um inquérito civil que apura irregularidades em pagamentos feitos pelo município por meio de programas federais, e o Gaeco também segue investigando esses contratos. Em 2016, o grupo do Ministério Público Estadual realizou apreensões na sede do ICI, que pela quantidade de documentos apreendidos acabaram por arrastar sua análise por dois anos. Promotores do Gaeco asseguram, entretanto, que o trabalho já está em fase final.
Ciente das investigações, o juiz da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba aguarda posicionamento do Ministério antes de homologar o acordo proposto.
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