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Na política, não adianta gritar e chamar o gerente; é preciso contribuir

Antes de começar a carreira como jornalista trabalhei em uma livraria de um shopping center de Curitiba. Foram poucos meses, mas como peguei o período de Natal dá para considerar a experiência como um curso intensivo de comportamento do consumidor. Aos poucos, como em qualquer outro trabalho, você vai percebendo algumas nuances que passam desapercebidas por quem não é da área.

Um dos principais aprendizados foi perceber os sinais que antecedem a evocação dos direitos do consumidor, geralmente acompanhado do “chame o gerente”. Antes de que isso aconteça, tem algo no tom de voz, na prosódia e na construção das sentenças que deixa evidente que a erupção está próxima. As pistas mais claras são, certamente, o uso do modo verbal imperativo e do verbo exigir. A partir daí não há ponto de retorno e o discurso sobre o consumidor que tem direito pois está pagando e você está aqui para me atender é inevitável. Ali, entre as prateleiras de uma livraria de shopping center, sob a égide do Código do Consumidor, esses argumentos fazem todo o sentido.

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O problema é que essa retórica tem saído do shopping center. Com o olhar e os ouvidos treinados pelas jornadas pré-Natal tenho percebido o mesmo comportamento no campo da política. O verbo exigir, inclusive, é presença certa em cartazes de manifestações e posts engajados do Facebook.

Acontece que a política não regida pelo Código do Consumidor. Não dá para usar da autoridade de consumidor e gritar “eu tô pagando”. Até dá, mas adiantar, que é o que importa, não adianta. Nessa loja todo mundo paga e cada um parece querer uma coisa diferente. Na política, não há como fugir da construção coletiva. E nisso temos dificuldades.

Um estudo divulgado recentemente pelo Instituto Atuação mostra claramente que neste aspecto não vamos bem. O Índice de Democracia Local foi aplicado em Curitiba e analisou cinco dimensões, três delas ligadas a questões institucionais: direitos e liberdades civis, funcionamento do governo local e processo eleitoral e pluralismo; e duas que dizem respeito à sociedade: participação política e cultura democrática. E, pela pesquisa, é na dimensão social que vamos pior.

Uma das fontes da pesquisa é um questionário que foi feito com 900 moradores de Curitiba. Esses dados mostram que 90% dos curitibanos nunca participaram de audiências públicas, consultas públicas e outros debates promovidos pelo governo; 94% nunca foram a reuniões de conselhos municipais; 77% nunca participaram de protestos, manifestações ou assinaturas de abaixo assinados; e 97% não são filiados a partidos políticos.

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É claro que esse olhar crítico à atuação dos cidadãos não limpa a barra das instituições. A própria pesquisa traz dados que revelam que muito desse comportamento da sociedade pode ser reflexo de ações de governo. Por exemplo, o atributo institucional com pior desempenho foi responsividade – que teve 42 pontos em uma escala que vai de 0 a 100. Esse ponto está relacionado à correspondência do governo às expectativas da população e a respostas às audiências públicas.

Não é só com as instituições políticas que o curitibano se relaciona pouco. O contato com a própria comunidade também é escasso. Em média, 92% dos curitibanos nunca participam de reuniões ou eventos promovidos por clubes sociais, grupos esportivos, associações de bairro, grupos de arte, associação profissional, entidades de caridade, grupos de autoajuda ou organizações não governamentais. Um ponto fora dessa curva são os eventos religiosos, dos quais 33% dos curitibanos costumam participar.

Esse isolamento tem consequências para o sistema democrático. Um dos reflexos mais claros é a falta de confiança tanto nas instituições como nas outras pessoas. Apenas 16% dos entrevistados acredita que a maioria das pessoas é confiável. Para 84% a confiança interpessoal só pode ser depositada em amigos e familiares.

Apesar de parecer uma medida muito abstrata, essa desconfiança afeta na prática a vida das pessoas. Como diz o próprio relatório da pesquisa feita pelo Instituto Atuação, ela se manifesta em nossa disposição estatizante no comportamento político e no excesso de burocracia. Como não há confiança, os carimbos, os contratos e as sanções são a única forma de garantir lisura nas relações econômicas e sociais.

Mudar essa postura política e comunitária não é tarefa fácil nem possível de ser feita em pouco tempo, mas é certamente mais eficaz que modular a voz no tom certo e exigir a presença do gerente.

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