Na segunda metade do século XII começou a se difundir pelas cidades italianas a figura do podestà, uma espécie de chefe, ao mesmo tempo, dos poderes Executivo e Judiciário. Uma característica comum a quem ocupava esse cargo era ser cidadão de outra cidade. A ideia era que o podestà não tivesse vínculos ou compromissos de lealdade com segmentos do poder local que pudessem perturbar uma administração impessoal. Terminado o mandato, o podestà era obrigado a deixar a cidade, mas para isso as contas de sua gestão deveriam ser aprovadas por um conselho.
Guardadas as proporções, sempre achei que a escolha de Mauro Ricardo Costa para a Secretaria da Fazenda do Paraná durante a gestão de Beto Richa (PSDB) teve inspiração na figura do podestà. Só alguém sem vínculos com o poder local poderia resistir à pressão de deputados, sustentar um rigoroso e impopular pacote de ajuste fiscal e, principalmente, se referir aos poderes Legislativo e Judiciário do Paraná como “ilhas de prosperidade em um continente de dificuldades”. Sem ironias nem demérito, essa frase foi um dos maiores feitos de Mauro Ricardo na Secretaria da Fazenda.
Ao dizer o óbvio, ele escancarou a necessidade de reduzir os repasses do estado ao Judiciário, Legislativo e ao Ministério Público.
A obrigação dos repasses do Executivo para os demais poderes está expressa na Constituição Federal, já os percentuais a serem destinados são definidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Para 2019, por exemplo, a LDO prevê que 5% das receitas do estado vão para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas; 9,5% para o Judiciário; e 4,1% para o Ministério Público.
Para quem tem dificuldades em dimensionar esses percentuais, vale relembrar as tradicionais fotos dos deputados sorridentes empunhando um cheque gigante que devolvia as “economias” da Assembleia ao governo. Em 2016, último ano em que uma foto assim foi publicada, o valor devolvido era de R$ 245 milhões. Como o bom senso não impõe limites à vontade dos parlamentares de criar “fatos positivos”, o destinatário do cheque era o “Povo do Paraná”.
O ex-governador Beto Richa encampou a tese de Mauro Ricardo e buscou maneiras de reduzir esses repasses. Durante a elaboração do orçamento de 2017, o ex-governador tentou retirar os recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) da base de cálculo sobre a qual incide os percentuais dos poderes. Naquele ano, estimava o governo, a medida representaria R$ 459 milhões a menos nos repasses.
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A proposta chegou a ser encaminhada para a Assembleia, mas foi retirada do orçamento pelos deputados. Richa preferiu não insistir na disputa e sancionou a lei mantendo intactos os repasses aos poderes.
Com a iminência de um novo governo e novos comandos no Judiciário e, talvez, no Legislativo, o assunto voltou à mesa. O governador eleito Ratinho Junior quer retirar da geladeira a ideia de Beto Richa que foi negada em 2016, mas o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa não encampam essa tese.
Recém-eleito presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, o desembargador Adalberto Xisto Pereira declarou em entrevista à repórter Katia Brembatti, que está disposto a conversar sobre o tema com Ratinho Junior, mas que no momento não pode concordar com a redução orçamentária.
“Se nós abrirmos mão, teremos dificuldade de cumprir compromissos, como os concursos em andamento”, afirmou.
O orçamento anual do TJ-PR é de cerca de R$ 3 bilhões, a maior parte destina-se à folha de pagamento de servidores, incluindo os próprios magistrados.
Na Assembleia Legislativa, a redução dos repasses está em pauta, mas com poucas chances de prosperar.
O primeiro-secretário da Casa, Plauto Miró (DEM), propôs que o repasse ao Legislativo caia de 5% para 4,4%, sendo 1,9% destinados ao Tribunal de Contas. Com essa redução, estima Plauto, o caixa do governo teria um reforço anual de R$ 135 milhões.
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Caso aprovada, a proposta, que hoje tem chances remotas, não ensejará nenhuma redução de gastos no cotidiano da Assembleia Legislativa. A devolução de recursos ao Executivo, frequentemente superiores a R$ 200 milhões, é a prova disso.
Os cheques gigantes devolvidos pela Assembleia e as suntuosas instalações e salários das instâncias mais altas da Justiça local são evidências de que há espaço para cortes no orçamento dos poderes. Por outro lado, a precariedade da estrutura das escolas estaduais é a prova de que há necessidade desses recursos no Poder Executivo.
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