No dia oito de novembro de 2016 a Prefeitura de Curitiba, ainda sob o comando de Gustavo Fruet (PDT), publicou uma notícia em seu site informando que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da CIC – o bairro mais populoso da cidade – seria fechada para reforma. O prazo dado no texto para o fim das obras era de 120 dias. 626 dias depois do início da reforma a UPA segue fechada. Nesse período, considerando a média diária, mais de 250 mil atendimentos deixaram de ser feitos.
Há, nos detalhes dessa história, boas lições sobre a judicialização da administração pública e os impactos que isso tem sobre as expectativas e a confiança nas instituições democráticas.
Inicialmente, o atraso nas obras decorreu das dificuldades financeiras da prefeitura na virada de 2017 para 2018. Para contornar essa penúria, o prefeito Rafael Greca (PMN) propôs que os serviços da UPA fossem terceirizados para uma Organização Social (OS). Aí começou a segunda fase do imbróglio.
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Para terceirizar os serviços da UPA, Greca precisou alterar a legislação. Na Câmara, o projeto tramitou em apenas 10 dias. Essa urgência levou a oposição e os sindicatos de servidores municipais a buscarem o Ministério Público. Em novembro, o MP ajuizou uma ação e a Justiça Estadual suspendeu o processo de contratação da OS. Três meses depois, a prefeitura conseguiu reverter a liminar e seguiu com os trâmites.
Depois de escolhida a Organização Social, a prefeitura deu nova data para a reabertura da Unidade. Em tom confiante, o Executivo informou que a partir do dia 31 de julho os curitibanos poderiam voltar a ser atendidos na UPA da CIC. Tudo parecia dentro dos conformes, até que, na terça-feira (17), o Tribunal Regional do Trabalho atendeu a um pedido do Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná (Simepar) e voltou a suspender a contratação da OS, com o argumento de que uma decisão judicial de 2015 da Justiça do Trabalho proíbe o município de contratar médicos sem concurso.
Apesar de a interferência da Justiça ser um assunto sobre o qual as generalizações têm boas chances de incorrer em erros, todo esse imbróglio é uma boa síntese das causas e consequências da judicialização da política e da administração pública – entendida aqui como fenômeno de deslocamento do poder decisório dos poderes Legislativo e Executivo para o Judiciário.
Causas
Tivessem os vereadores assumido com mais seriedade a função legislativa de debater o projeto de lei encaminhado pelo prefeito, restariam menos arestas e pontos frágeis a serem questionados pelo Ministério Público e pela Justiça. Nesses casos não é nem possível dizer que o poder decisório foi arrancado dos vereadores; a imagem que parece melhor representar a realidade é a de que eles abriram mão desse poder em troca de uma relação bem azeitada com a prefeitura.
Há também, claro, a ferrenha defesa dos interesses corporativos dos mais variados grupos de pressão. Interessados em manter modelos de contratação mais benéficos para as categorias de trabalhadores, ou de garantir melhores negócios para as empresas que representam, organizações vão à Justiça por vantagens próprias e com pouca atenção ao interesse coletivo.
Consequências
Uma das principais consequências – que fica bem evidente no caso da UPA da CIC – é a demora para que as necessidades da população sejam atendidas. Sejamos justos, a judicialização não inventou a demora nas ações de governo; o tempo da resposta política nunca foi o mesmo tempo das demandas da população. Essa situação parece se agravar com exigências cada vez mais imediatistas – um mal do espírito do nosso tempo – e respostas ainda mais lentas.
Outra consequência desse descompasso entre demandas e respostas é a frustração das expectativas dos cidadãos. Pensemos na situação do sujeito que a cada novo prazo dado pela prefeitura criava uma ponta de esperança. Certamente, todo adiamento fez crescer a desconfiança em relação às instituições democráticas, um prejuízo silencioso, mas grave.
Apesar de a situação da CIC ter conduzido esse texto, exemplos similares existem à mancheia. Para ficarmos apenas na atual gestão da prefeitura de Curitiba, houve a tentativa do Ministério Público de impedir obras na Praça do Japão para a implantação do ligeirão na linha Santa Cândida/Capão Raso – pedido que foi negado pela Justiça; e também a suspensão da licitação do lixo na cidade, que ficou parada, primeiro na Justiça e depois no Tribunal de Contas, por quase um ano e foi liberada após a prefeitura dar explicações sobre o processo. Enquanto isso, a cidade seguiu com uma contratação provisória para a prestação do serviço.
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