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Tocqueville e a vontade dos políticos de dizerem o que a imprensa deve fazer

Ilustração: Robson Vilalba: Thapcom (Foto: )

A quantidade de cartilhas com recomendações para a proteção de jornalistas lançadas recentemente parece deixar claro que há perigos que rondam o ofício. Nos últimos meses, por exemplo, fui orientado, entre outras coisas, a proteger meus dados online, a como reagir diante de ataques nas redes sociais e a como me portar na cobertura de manifestações. As análises sobre como e porque chegamos até aqui são diversas. Aqui vai a minha: em um momento em que o diabo são as instituições, o jornalismo profissional – uma instituição, afinal – também paga o preço.

Olhando em retrospecto, entretanto, o momento não parece excepcional. Há sempre alguma ameaça, alguma justificativa em sintonia com os pendores autoritários de cada tempo para sofismar a liberdade de imprensa.

Convicção da Gazeta: O valor da democracia

Uma frase do deputado estadual Ricardo Arruda (PSL) resume, sem muita metafísica, o ponto de partida dessas tentativas de cerceamento. Ao comentar uma reportagem da Gazeta do Povo sobre a nomeação de seus parentes em cargos comissionados da administração estadual, o parlamentar disse que o jornal insistia em “pôr o dedo onde não deve”.

Apesar de soar meio tosco, esse tipo de pensamento foi abordado por Alexis de Tocqueville, ainda no século XIX, no trecho da obra “A democracia na América”, em que o pensador político faz uma defesa crítica da liberdade de imprensa.

Ao elencar os modos como se busca tolher a imprensa, Tocqueville sustenta que na ânsia por combater os excessos, põe-se em risco toda a liberdade de expressão. Não há meios para combater o que o autor chama de exageros da liberdade de imprensa que não sejam mais danosos à sociedade que esses próprios exageros. E o exagero, naturalmente, varia de acordo com os olhos de quem o avalia.

“Quando se concede a cada um o direito de governar a sociedade, é necessário reconhecer também a sua capacidade de escolher entre as diferentes opiniões que agitam seus contemporâneos e de apreciar os diferentes fatos cujo conhecimento pode guiá-los. A soberania de um povo e a liberdade de imprensa são, pois, duas coisas inteiramente correlatas”, argumenta Tocqueville.

Ao tentar se colocar no papel de censor, dizendo onde se deve e onde não se deve colocar o dedo, o deputado percorre um caminho já previsto por Tocqueville.

“Passastes da extrema independência à extrema servidão, sem encontrar, em tão longo espaço, um só lugar onde pudésseis repousar”, escreveu o francês.

Em sua história recente, o Paraná já colheu bons frutos da liberdade imprensa. E como os exemplos não se fizeram senão para serem citados, vamos a alguns. Restringindo a análise a publicações desta Gazeta, é fácil destacar dois casos: os Diários Secretos, série de reportagens produzida em parceira com a RPC em 2010 que revelou um esquema de desvio de recursos da Assembleia Legislativa por meio da nomeação de funcionários fantasmas; e a série Negócio Fechado que, em 2012, mostrou como dinheiro de publicidade era desviado dos cofres da Câmara Municipal de Curitiba.

Naturalmente, não são todos que se comovem com as reflexões de Tocqueville. A esses, Tocqueville deixa ainda um alerta, que hoje pode ser lido até como uma boa dica de media training.

“Entregais os autores a magistrados permanentes; mas os juízes são obrigados a ouvir antes de condenar; aquilo se temia admitir no livro proclama-se impunemente na tribuna da defesa; aquilo que se teria dito obscuramente num escrito acha-se assim repetido em mil outros”.

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