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João Pereira Coutinho

João Pereira Coutinho

A elegância é eterna

(Foto: Thapcom)

Estou em dieta há dois meses. A minha vida já não faz sentido. No início, tomado por um heroísmo absurdo, fiz um corte abrupto em certos venenos corporais. Passou uma semana. Passaram duas. Na terceira, como acontece a certos mutilados de guerra, comecei a sentir as minhas dores fantasmagóricas nas pupilas gustativas. O vinho. O chocolate. Os doces. Sonhava com eles, acordava sem eles.

É este o principal problema da dieta: podemos nos afastar das tentações, mas as tentações, em representação mental, maquinal, infernal, nunca se afastam de nós.

Caminhando por uma rua de Lisboa, passei por uma pastelaria. Parei dois segundos, só para respirar aquele ar – uma mistura de ovos, açúcar, frutas secas. Continuei a minha caminhada, chorando como um órfão de Dickens. Fazer dieta em certos países, como na Inglaterra, pode ser uma bênção. Em Portugal, ou no Brasil, é uma mortificação pessoal.

Podemos nos afastar das tentações, mas as tentações, em representação mental, maquinal, infernal, nunca se afastam de nós

E para que tanto esforço? Por que motivo desprezamos tão intensamente a figura simpática do bom velho gordo? A história é antiga, explica Christopher E. Forth em obra que me acompanha durante o exílio. Intitula-se Fat: A Cultural History of the Stuff of Life e serve para acabar com a ilusão de que gordura é formosura. Ou, pelo menos, foi um dia.

Nunca foi. Os gordos têm vários séculos de cultura a conspirar contra eles. Para os gregos, que legaram ao mundo as formas corporais perfeitas que ainda hoje são padrão de beleza, o problema da gordura não era apenas estético; era intelectual. Quem se deixa dominar pelos apetites abandona a luz cristalina da razão. A ligação primordial estava feita entre possuir um corpo generoso e ser comandado por uma cabeça bestial, no sentido animalesco da palavra.

Com o cristianismo, pouco mudou. Como adorar a Deus e, ao mesmo tempo, adorar os prazeres materiais que existem cá em baixo? São incontáveis os pais da Igreja para quem um corpo rotundo asfixiava literalmente a alma, impedindo o crente de se elevar até aos céus. Jesus, que se saiba, era magro. As representações que nos chegaram do filho de Deus denunciam uma elegância que, antes de ser física, é sobretudo metafísica.

Hoje, a guerra à gordura pode ser justificada com critérios mais científicos.

Poderia pensar-se que, depois da Idade Média, a guerra ao corpo abrandaria. E que a modernidade, com o aburguesamento correspondente, revalorizasse as formas circulares. O problema é que o Renascimento é assim chamado por procurar reviver os valores clássicos. Na estatuária, na pintura, na filosofia. E na desconfiança espartana perante os gordos. Na sua A Cidade do Sol, Tommaso Campanella propunha a eliminação da espécie, seguindo as práticas viris e militares da antiga Esparta.

Mas foi nos séculos 18 e 19 que a hostilidade ao gordo se cristalizou. Sobretudo por contraposição aos ideais de beleza de povos não ocidentais (e não brancos) que passaram a ocupar a atenção, e a inquietação, do homem ocidental. Na África ou na Ásia, os corpos generosos eram a prova evidente de que o gosto não era uniforme. Mas os ocidentais, sem surpresas, não aplaudiram esse pluralismo estético. Com a soberba própria dos elegantes, trataram de ver naquelas proporções um sinal de barbarismo e, palavra terrível, uma ameaça de degeneração para a raça branca. O resto da história é tragicamente conhecido.

Hoje, a guerra à gordura pode ser justificada com critérios mais científicos. A saúde, sim, sempre a saúde, essa deusa pagã perante a qual todos nos curvamos.

Os gordos têm vários séculos de cultura a conspirar contra eles

Mas o livro notável de Christopher E. Forth serve para vermos como a lipofobia (o medo da gordura) participa de uma raiz comum: uma vontade utópica de transcender a matéria e alcançar uma espécie de perfeição etérea, acima das contingências. Sempre assim foi. A dieta, nesse sentido, não é uma declaração de guerra à gordura. É uma declaração de guerra à nossa humanidade imperfeita e mortal. Valerá a pena?

No livro, Forth revisita as hilariantes discussões dos doutores da Igreja sobre o estado do corpo no momento da ressurreição. Quando isso acontecer, teremos a mesma fisionomia que tivemos em vida? Ou haverá, digamos, uma lipoaspiração celestial para que possamos enfrentar a eternidade mais leves e sorridentes? Santo Agostinho tranquilizou os crentes: quando entrarmos no paraíso, teremos o corpo que sempre desejamos ter.

Obrigado, meu sábio de Hipona. Era só o que eu precisava escutar para entrar na pastelaria.

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