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1. Cristiano Ronaldo está velho. Nessa Copa, ele corre, chuta, tenta driblar. Mas a velha energia demoníaca que fazia tremer estádios já não mora lá. Que fazer?
Só vejo um caminho para refrescar a seleção portuguesa: contratar Neymar. Com 30 anos, o craque ainda faz a próxima Copa. E eu tenho a certeza de que deve haver um antepassado qualquer, de nome Joaquim ou Manuel, que garante o selo de autenticidade lusitana. Em alternativa, Neymar pode simplesmente investir no mercado imobiliário português e ganhar o cobiçado “visto gold”, que abre as portas para a nacionalidade. Em qualquer dos casos, o que interessa é vê-lo jogar, com a camiseta vermelha, cantando “Heróis do mar / nobre povo / nação valente e imortal”. Com sotaque fica ainda melhor.
Tenho a certeza de que os leitores concordam. Neymar nunca foi muito amado no Brasil. É um mistério: acompanho o futebol na Europa e sempre fiquei abismado com o talento do rapaz. Mas, quando digo essas coisas aos meus amigos brasileiros, eles fazem cara de nojo e soltam impropérios de fazer corar uma profissional de rua.
Se o Brasil não gosta de você, venha para Portugal, Neymar!
O apoio a Jair Bolsonaro só piorou as coisas: primeiro, houve quem insultasse o jogador por suas preferências ideológicas com um ódio muito semelhante ao ódio que os bolsominions despejam sobre o PT. E, quando a lesão aconteceu nessa Copa, festejos. A sério, Neymar: o que você faz no Brasil?
Em Portugal, ninguém quer saber das opiniões de um jogador de futebol. Estamos mais interessados no futebol propriamente dito. Que o digam Pepe e Otávio, dois jogadores nascidos no Brasil e naturalizados portugueses, cujas opiniões políticas eu desconheço em absoluto. Nem quero conhecer: eles jogam tão bem que, por mim, poderiam ser adoradores de Stálin ou Hitler, tal como Maradona era um adorador vitalício de Fidel, Che Guevara e da Revolução Cubana. A única esquerda ou direita que me interessa no futebol é a posição que os jogadores ocupam no gramado.
Não sei se, pelas regras da Fifa, seria possível integrar Neymar na seleção de Portugal ainda nessa Copa. Vou investigar. Uma coisa parece óbvia: seria lindo ter uma final Portugal e Brasil, com vitória portuguesa por 1 a 0. O gol, esse, você já sabe de quem seria.
2. Torcemos pelos mais fracos quando o nosso time não está em jogo, escreveu Hélio Schwartsman na Folha de S.Paulo. Escreveu muito bem. Mas será por Schadenfreude, ou seja, o gosto humano, demasiado humano, de ver os mais fortes humilhados? Ou será antes por Freudenfreude, a alegria sincera de ver os mais pequenos ganhando?
Peço desculpa por esse excesso de germanismo e pelo pedantismo da diferença. Mas a resposta a essas perguntas talvez determine se o leitor é mais de esquerda ou mais de direita. Um leitor de esquerda, para quem a luta de classes mantém toda a sua validade, gosta de ver os grandes e poderosos em derrocada. Há sempre a ideia, consciente ou inconsciente, de que os grandes e poderosos têm vantagens mil que sempre viciam o jogo para benefício próprio.
Torcemos pelos mais fracos pelo gosto humano, demasiado humano, de ver os mais fortes humilhados, ou pela alegria sincera de ver os mais pequenos ganhando?
Aliás, nem é preciso mergulhar a fundo nas águas turvas do marxismo. John Rawls, um estimável social-democrata, também não aceitava a ideia de mérito como alicerce da justiça em sociedade. Mérito? Que mérito é esse quando você não foi responsável pelo país onde nasceu, a família onde cresceu e até a constituição física e mental que saiu na loteria dos genes? Uma sociedade justa corrige as diferenças de oportunidades e rendimentos sem atender ao mais ilusório dos conceitos.
Um leitor de direita contrapõe: tudo isso é verdade, há vantagens e desvantagens naturais, sociais e econômicas. Mas o mérito também tem o seu papel. O futebol, aliás, é a coisa mais meritocrática que existe: não interessa de quem você é filho. Se você não se esforça, não treina, não joga bem, o seu status é irrelevante. Uma vitória dos mais pequenos é, em princípio, uma confirmação de que o mérito tem a palavra final, mesmo quando tudo parece definido a priori.
Claro que, nesses embates entre Davi e Golias, há outras razões que a razão desconhece que também explicam nossos festejos privados. Sim, gostei de ver a Arábia Saudita derrotando a Argentina. Mas, como português, não tive o orgasmo que os brasileiros experimentaram. Esse prazer, confesso, só aconteceu quando a Espanha perdeu para o Japão. Bem vistas as coisas, esquerda e direita valem pouco quando o chamamento da tribo pode valer muito mais.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos