Arte: Robson Vilalba/Thapcom| Foto:

É verão por estas bandas e a nostalgia não perdoa. Deitado no areal, dou por mim a pensar em 1994, primeiro ano de faculdade.

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Havia uma menina linda que eu cortejava com devoção fanática. Houve um convite para jantar. Convite aceito. E, durante as primeiras conversas, uma confissão dela. Sobre a admiração que sentia por Lorena Bobbitt.

Talvez o leitor mais jovem não se lembre desse ícone dos anos 1990. Mas quem era homem por aqueles tempos, ou até semi-homem, nunca mais esqueceu o incidente de 1993: Lorena, casada com John, fartou-se das infidelidades do marido. E cortou o mal pela raiz: com uma tesoura de jardinagem, privou John do seu fiel amigo. Depois, entregou o membro ao cão, que o deglutiu com sapiência gourmet.

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A minha musa admirava Lorena e eu, aterrado, comecei a sentir estranhas dores no baixo ventre. Ainda pensei ir ao banheiro e fugir pela janela. Uma musa é uma musa. Mas uma tusa é uma tusa.

Não sou canalha. Aguentei estoicamente e, no fim, quando se trocaram números de telefone (eram tempos pré-celular), forneci o número do meu professor particular de Matemática, que me torturou durante o liceu.

Lembro tudo isso agora porque, deitado no areal, termino a leitura de um artigo recente da Vanity Fair sobre o caso Bobbitt. Foi há 25 anos e só agora reparo que os pormenores que ficaram são fruto da minha imaginação assustada. Para começar, não foram as infidelidades de John que levaram Lorena à loucura; foram as tareias que John lhe dava. Depois, não houve tesoura; foi faca de cozinha. E, para acabar, não sei onde fui buscar o pormenor do cão: o membro, que Lorena jogou fora quando dirigia estrada afora, foi recuperado pela polícia, transportado para o hospital em caixinha de hot dog (palavra de honra) e novamente acoplado ao seu dono.

Mas o interesse do artigo está no fato de a autora, Lili Anolik, ter visitado o casal 25 anos depois. Que foi feito deles? Como diria Lorena, vamos por partes.

Lorena foi absolvida em tribunal. E fez o possível para se afastar dos holofotes, mesmo que isso implicasse tempos duríssimos de penúria financeira e solidão existencial. Hoje, beirando os 50, é mãe de família e ativista dos direitos das mulheres, sobretudo das mulheres vítimas de violência doméstica. A sua fundação dá pelo nome de Lorena Gallo (“Gallo” é o seu nome de solteira; o nome do segundo marido, o homem mais corajoso do mundo aos meus olhos, é David Bellinger).

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E John? Há um pormenor delicioso que me escapou à época: John chama-se John Wayne, como convém a qualquer pistoleiro. E a sua trajetória é o oposto de Lorena. Depois do julgamento, e com muito para provar, John rumou para Las Vegas. Foi autor de filmes pornô, como John Wayne Bobbitt: Uncut e o sutil Frankenpenis.

O dinheiro fácil veio como foi: rapidamente e sem deixar rastro. Na pobreza, dedicou-se a banditismos vários e teve uma breve carreira no circo (como alvo do atirador de facas; não inventei). Depois de um acidente de viação brutal, serenou um pouco e hoje tenta encontrar um mítico tesouro, que ele julga escondido nas areias do deserto do Nevada. Ainda tentou reatar uma relação de amizade com Lorena (através do Facebook). Lorena não o aceitou de volta.

Só uma coisa permaneceu constante nesses 25 anos: o seu gosto pela violência doméstica, que ele distribuiu democraticamente pelos dois casamentos seguintes.

Moral da história? Sim, o artigo da Vanity Fair resvala muitas vezes para meditações escusadas. Como, por exemplo, as semelhanças fisionômicas que Lili Anolik encontra entre John Wayne e o seu ídolo, Donald Trump. Será verdade? Será mentira? Isso interessa? Ou será apenas o desejo inconsciente da autora de fazer a Trump o que Lorena fez a John? Mistério. Uma coisa parece certa: não é preciso meter a política no assunto para ilustrar o ponto principal.

E o ponto principal é que Lorena, para lá de todas as caricaturas, sai desse filme como a única criatura que pensou com a cabeça certa. Depois de perder a cabeça com o homem errado, claro.

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Hoje, essa sabedoria não me espanta: na meia-idade, sei bem que as mulheres, regra geral, são melhores que os homens. E que o verdadeiro choque não é ter existido uma Lorena Bobbitt; é, sejamos francos, não existirem mais, o que sem dúvidas comprova a superioridade das damas sobre os vagabundos.

Querida musa: se estiveres a ler esta coluna, aqui fica o meu pedido de desculpa com duas décadas de atraso. O mesmo já não posso fazer pelo professor de Matemática.