| Foto: EFE
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"O Canadá", diz o hino. "O Canadá", digo eu, ao acompanhar o protesto dos caminhoneiros no país. Aquilo é uma salada de malucos, admito. Mas quando olho para o premiê também não vejo racionalidade.

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Justin Trudeau não quer que os manifestantes antivacinas exerçam uma pressão ilegítima sobre a vida social e econômica do país, bloqueando estradas e pontes? Compreendo e aplaudo.

Mas, depois, quando olho para as medidas do estado de emergência, engulo em seco. Congelar as contas bancárias dos manifestantes, como se o país estivesse a ser atacado por terroristas internos? A sério?

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Péssimos augúrios. Hoje, são os caminhoneiros. Amanhã, será qualquer pessoa ou grupo que o governo da ocasião queira punir com igual ferocidade.

Hoje, são os caminhoneiros. Amanhã, será qualquer pessoa ou grupo que o governo da ocasião queira punir com igual ferocidade.

Sem falar das leis contra o discurso de ódio que o governo quer aprovar. Existem duas no pacote que a revista Economist sinaliza com horror.

A primeira lei pretende privar os acusados por discurso de ódio das mesmas garantias legais que estão à disposição de qualquer cidadão na lei criminal comum. Como se um odioso fosse pior que um pedófilo ou um serial killer, imagino.

A segunda, digna de uma história de Philip K. Dick, pretende punir o discurso de ódio antes mesmo de ele ser proferido. Basta suspeitar que alguém vai ultrapassar os limites para que a lei acolha uma ação judicial preventiva.

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Se essas duas aberrações vingarem, podemos despedir-nos do Canadá como um Estado de direito democrático. Estaremos em território autoritário em que as liberdades civis foram esmagadas inutilmente –e de forma contraproducente.

Na semana passada, fiz uma breve referência às leis da República de Weimar contra o discurso de ódio. Erradamente, afirmei que Hitler foi preso por suas proclamações antissemitas. Absurdo. Hitler foi preso depois da tentativa frustrada de golpe na Baviera. Obrigado, leitores, por cuidarem da minha senilidade.

Mas meu ponto sobre a liberdade de expressão em Weimar não se altera. Anos atrás, Flemming Rose, editor do jornal Jyllens-Posten que em 2005 incendiou o mundo muçulmano com seus cartuns do profeta Maomé, publicou um dos mais importantes livros sobre a liberdade de expressão que conheço. O título é "The Tyranny of Silence", ou a tirania do silêncio, que analisa a República de Weimar em detalhes.

Afirma o autor que, durante esse período, a Alemanha tinha leis férreas contra o que designamos hoje por discurso de ódio. Insultar comunidades religiosas (protestantes, católicos, judeus) valia três anos de cadeia. Disseminar falsos rumores com a intenção de degradar indivíduos ou promover a guerra entre classes era brindada com dois anos.

Vários nazistas foram processados ou presos por causa disso. Joseph Goebbels era presença assídua nos tribunais. O seu jornal, Der Angriff, foi confiscado várias vezes –e Goebbels aproveitava suas sessões em tribunal para fazer comícios que reverberavam por toda a Alemanha.

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Julius Streicher, editor do infame Der Stürmer, teve o jornal confiscado em várias ocasiões –e ele próprio foi preso, duas vezes por seu virulento antissemitismo.

Como conta Flemming Rose no livro, quando Streicher era levado para a cadeia, centenas de simpatizantes o acompanhavam em tom festivo. Quando saía da cadeia, tinha milhares à sua espera em manifestações ainda mais histéricas.

A moral dessa história não é, como alguns imaginam ou acusam, que o discurso de ódio é uma coisa boa. Podemos deixar de ser infantis? Nenhuma pessoa civilizada gosta desses charcos fétidos.

A questão é outra: o que ganhamos (ou perdemos) com a criminalização de palavras que não gostamos de ler ou ouvir? Ganhamos pouco. Os odiosos ganham muito mais: novos auditórios e uma aura de mártires que jamais teriam se tivessem sido ignorados.

Quando juntamos a esse caldo perverso uma crise econômica brutal, como aconteceu na Alemanha depois da Primeira Guerra –e sobretudo depois do crash da Bolsa de Nova York em 1929– estão reunidas as condições para o desastre.

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Excetuando casos extremos em que existe um perigo real, imediato e tangível para a paz civil, a melhor forma de lidar com os odiosos é pelo desprezo ou pelo debate intelectual.

Usar a lei para punir quem nasceu no esgoto é a melhor forma de resgatar do esgoto quem só merece lá ficar.