Ontem fui ao cinema para assistir ao mais recente filme de Marilyn Monroe. É uma comédia para adolescentes, passada no mundo das redes sociais, com a bela Marilyn perseguida por um “troll”. Brinco?
Claro que brinco. Mas, de certa forma, não brinco: eu já vi o futuro, irmão, e o futuro é homicídio, como dizia o poeta. Homicídio da arte e homicídio de atores.
Que o diga James Dean, morto em 1955 e que terá um novo filme em 2020. O título será Finding Jack, um drama passado na Guerra do Vietnã, conflito que Dean não chegou a conhecer em vida.
Vai conhecer em morte, ou em pós-morte, porque a tecnologia, sempre essa deusa caprichosa, vai ressuscitar Dean para seu quarto longa.
Alguns eruditos, confrontados com a ambição macabra de Hollywood e com a ganância da família de Dean, que cedeu os direitos da sua imagem, condenaram severamente o abuso.
Para que admirar Marilyn Monroe ou James Dean quando nós, com a ajuda dos computadores, podemos fazer o serviço?
Manipular fotos ou filmagens do ator para criar um novo personagem é um desrespeito à sua obra. E uma negação atroz dos princípios mais básicos da arte da representação.
Entendo os eruditos. Concordo com eles. Mas, aqui entre nós, suspeito que James Dean será apenas uma cobaia – e um pioneiro.
A seu tempo, é bastante provável que cemitérios inteiros sejam recrutados pelos grandes estúdios, e não apenas para filmes de mortos-vivos. Humphrey Bogart, se a memória não me falha, nunca foi um super-herói da Marvel. É hora de corrigir essa injustiça.
Aliás, é hora de corrigir todas as injustiças: a noção antiquada de que o trabalho de ator é único e irrepetível, e por isso mesmo dependente de uma personalidade única e irrepetível, não sobrevive à era igualitária em que vivemos. Quem julga James Dean?
Por razões de justiça social, qualquer um deveria poder ser ator, estrelando os grandes filmes da história do cinema.
Hoje, ressuscitamos Dean. Mas a verdadeira proeza será um dia permitir à “geração selfie” a possibilidade de matar as lendas e ocupar o lugar delas nos filmes.
Para que admirar Marilyn Monroe ou James Dean quando nós, com a ajuda dos computadores, podemos fazer o serviço?
Eu próprio, nos meus momentos de megalomania, já escolhi os papéis pelos quais pretendo ser lembrado e premiado. Para que conste, tenciono matar Liberty Valance no faroeste; participar em corridas de quadrigas na Roma Antiga; cantar à chuva na Hollywood dos anos 1920; lutar contra Apollo Creed na Filadélfia; dançar um tango no hotel Plaza, em Nova York.
E, naturalmente, beijar Michelle Pfeiffer depois de tocar Makin' Whoopee ao piano. Resta, porém, a questão fundamental: será que o público aceitará essas mudanças? A pergunta é retórica. No admirável mundo novo do entretenimento popular, o público aceita tudo.
Um exemplo: na mesma semana em que soube do regresso artístico de James Dean, o jornal The Guardian informou que a Netflix pretende dar aos assinantes a possibilidade de assistirem a filmes ou séries em modo rápido.
Melhor ainda: em modo rápido sem ser comicamente acelerado, como acontece quando usamos o fast-forward do controle remoto.
Uma série de 12 horas poderá ser vista em quatro, sem prejuízo algum. Um filme de duas horas poderá ser despachado em meia hora. A empresa promete não sacrificar os diálogos; apenas tornar tudo mais “compacto”. Como uma lata de sardinhas, imagino eu.
Desvantagens? Sim, a redução da arte a fast food também é uma forma de transformar a arte em “junk food”.
Mas é preciso não esquecer as vantagens. A mais óbvia é permitir o consumo da maior quantidade possível de séries ou filmes no menor espaço de tempo compatível com a cognição de um símio superior.
Esse milagre será precioso para fazer boa figura com os colegas no trabalho. Imagino a cena: alguém fala de uma série imperdível. O ignorante, envergonhado com a sua ignorância, poderá ir apressadamente ao banheiro e familiarizar-se com a primeira temporada. Se tiver problemas da próstata, ainda consegue espreitar a segunda.
Depois, nesse futuro radioso em que a tecnologia será soberana, o ignorante poderá regressar ao convívio dos civilizados e até dizer, com um sorriso de orgulho: “Pois é, ser Tony Soprano foi das melhores coisas que eu fiz na vida”.
Se os outros estranharem essa manifestação de loucura, será o ignorante a rir por último. E a perguntar, horrorizado: “Mas vocês assistiram à série com os atores originais?”.
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