Cena da série Bridgerton, da Netflix.| Foto: Divulgação/Netflix
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Diversidade? A favor. Quando penso nos autores que me fizeram a cabeça, começo em Montaigne e acabo, sei lá, em William James ou Isaiah Berlin. O que os une? A rejeição de que existe uma única forma de vida válida para toda a gente, em todos os lugares e em todas as circunstâncias. Eis a razão por que sempre desprezei o pensamento utópico e qualquer forma de fanatismo ideológico: a imposição de um único modelo de sociedade a todos os indivíduos procede de uma alma tirânica, incapaz de aceitar a variedade da existência. Prefiro excêntricos, dândies, decadentes – ou, em linguagem filosófica, prefiro os românticos aos “racionalistas”.

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Em teoria, vivo no melhor dos tempos: nunca como agora os seres humanos foram tão livres para escolher. Mas, na prática, será que a diversidade é real? Ou tudo que temos é uma aparência de diversidade que, no fundo, apenas esconde uma crescente uniformidade?

Essa sensação foi amplificada na virada do ano: eu, fechado em casa, com a tevê ligada. Por todo o mundo, o mesmo tipo de festejos – fogos de artifício iluminando os céus de várias capitais. As ruas estão desertas. Se não fosse esse pormenor, as imagens de 2021 seriam indistinguíveis de 2020, de 2019, de 2018... Cópias de cópias de cópias.

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Estamos cada vez mais parecidos, apesar de passarmos grande parte do tempo a proclamar as nossas diferenças

Horas depois, a televisão permanece ligada. Várias reportagens sobre política internacional. O jornalista está em Madri, São Paulo, Pequim, Lisboa. Tudo igual. As pessoas vestem-se da mesma forma, compram nas mesmas lojas, até sorriem e gesticulam com arrepiante mimetismo. O mundo inteiro é uma única grande metrópole, onde a diversidade é cosmética, não substancial. Que se passa?

O historiador Russell Jacoby, em ensaio luminoso (On Diversity: The Eclipse of the Individual on a Global Era), ajuda no diagnóstico. Sim, a retórica do momento usa e abusa da palavra diversidade, sobretudo em matéria sexual ou racial. Mas a verdade é que estamos cada vez mais parecidos, apesar de passarmos grande parte do tempo a proclamar as nossas diferenças. Aliás, é precisamente pelo fato de estarmos cada vez mais iguais que “fetichizamos” essas diferenças, como se elas nos salvassem da massa informe que engole o indivíduo.

Essa uniformização começa na infância, quando as crianças assistem aos mesmos vídeos, jogam os mesmos jogos e experimentam a mesma vida em clausura, sem espaço ou oportunidade para explorar e arriscar. Fabricamos robôs que depois seguem o mesmo tipo de ensino, para o mesmo tipo de carreira, onde se vestem da mesma forma e desejam as mesmas casas com os mesmos brinquedos tecnológicos.

Isso é apenas válido para a turma branca, hétero, burguesa e ocidental? Russell Jacoby discorda: mesmo as minorias, na luta justíssima por maior representatividade, apenas aspiram ao mesmo modelo existencial da maioria (nem todas, é um fato: como lembra o autor, os amish ou os judeus hassídicos são exemplos de diversidade no sentido mais profundo do termo. Não aspiram a ser como todo mundo; desejam ser diferentes de todo mundo).

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Nas artes, e sobretudo no cinema, vemos esse “desejo mimético” (expressão de René Girard) com a apropriação de personagens tradicionalmente brancos ou masculinos por atores negros ou femininos. No próximo filme da saga Thor, o martelo do super-herói será usado por uma mulher. O novo 007 também será mulher (e negra). E na série Bridgerton, da Netflix, metade da aristocracia inglesa de inícios do século 19 é negra (e não falo da rainha Anne, que provavelmente até seria; uma longa discussão). O gesto, para além de anacrônico, ganha contornos bizarros: vemos atores negros no papel de presumíveis escravocratas ou protetores de escravocratas, como seria grande parte da nobreza britânica do período da Regência.

Será uma vitória para a diversidade? Pelo contrário: vitória seria não precisar dessas apropriações; vitória seria contar histórias novas com vozes novas e genuinamente diversas. Um dos grandes filmes de 2020, que comentei aqui, conseguiu essa proeza: falo de Radha Bank e do seu The Forty-Year-Old Version, uma comédia brilhante sobre uma mulher negra de meia idade que tudo faz para preservar a sua singularidade.

Respeito isso – essa “superioridade aristocrática do espírito”, como lhe chamou Baudelaire ao descrever o dândi do seu tempo. No meio da falsa diversidade em que vivemos, precisamos de mais dândies e menos plagiários.