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João Pereira Coutinho

João Pereira Coutinho

Jornais cometem suicídio quando seguem o exemplo das redes sociais

Os jornais The New York Times e Usa Today em exposição
Os jornais The New York Times e Usa Today em exposição: lógica das redes sociais é uma cilada (Foto: BigStock)

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Gosto de ler jornais com sensibilidades políticas distintas. Não gosto de ser enganado. Quando leio o Daily Telegraph, sei que não estou a ler o Guardian. Quando leio o Wall Street Journal, sei que não estou a ler o New York Times.

Mas há algo que não dispenso: a objetividade da notícia. Ah, que palavrão! E que quimera! Será que isso existe?

Não, não existe como o santo graal que se descobre por acaso. Implica esforço e método. Ou, pelo menos, a vontade de esforço e método.

Nessas matérias, convém lembrar o que Otavio Frias Filho escreveu no seu "Antimanual de Jornalismo", coleção de aforismos que deveria ser leitura obrigatória em qualquer Redação. "Quanto maior o entrechoque de versões contraditórias", dizia ele, "maior o resíduo objetivamente verificável". Para concluir: "Quanto mais mentiras, tanto mais verdade".

É um pensamento admirável, que deposita toda a confiança na razão humana para lidar com o caos epistemológico que nos rodeia. A opinião é livre, ou deve ser. Mas os fatos são sagrados, para usar a célebre proclamação de C. P. Scott que ainda hoje o Guardian ostenta com orgulho, embora nem sempre a pratique.

Pois bem: é essa noção de "objetividade", para a qual os fatos são "sagrados", que tem sido questionada nos Estados Unidos. Conta a revista The Economist que vários críticos do conceito têm proposto um outro: "clareza moral". Em que consiste essa clareza?

Sim, é preciso respeitar a verdade; mas a verdade será sempre contextual, o que permite uma maior flexibilidade –ou "equidade" e "empatia", para usar as categorias dos apologistas da moral– no tratamento dos fatos.

Tenho dúvidas sobre o modelo. Três, para ser exato.

A primeira e mais óbvia é que esse tipo de clareza se abre à subjetividade mais evidente. Repito: não tenho nenhum problema com a subjetividade no seu espaço próprio -- o da opinião. Mas o jornalismo não se esgota na opinião nem pode ser contaminado por ela.

Abandonar a objetividade não é apenas abandonar um fim ou um método; é reconhecer que nada existe "a despeito de nós mesmos", como escrevia Otavio Frias Filho.

Esse desprezo pela verdade objetiva, ou pela simples possibilidade de existir uma verdade objetiva que não esteja à mercê das nossas intuições ou vaidades morais, converte-se facilmente num discurso dogmático que é imune a qualquer crítica.

Já está a acontecer: praticamente todas as semanas, jornalistas ou colunistas são demitidos porque se recusam a subscrever cegamente à "clareza moral" dominante em matéria de raça ou identidade. Nos últimos dias, tivemos Bari Weiss no The New York Times e Andrew Sullivan na revista New York.

Mas existe uma observação final e bastante melancólica: se o jornalismo abandonar a busca da objetividade, isso representa uma regressão brutal.

Conta a Economist que, no século 19, os jornais eram versões impressas das redes sociais de hoje: panfletos de gritaria ideológica que serviam várias causas, exceto a da verdade.

Em muitos casos, os jornais eram megafones de partidos ou demagogos, sem qualquer compromisso com o rigor.

Só a partir de 1920, pelo menos nos Estados Unidos, houve um maior apelo pela objetividade. Essa, aliás, foi uma das consequências da Revolução Russa de 1917, segundo a revista: obrigou os jornais a separar os desejos teóricos da triste realidade, por mais inconveniente que ela fosse para a "intelligentsia" progressista.

Não creio que a Economist tenha inteira razão: mesmo no século 19, era possível encontrar jornais americanos (como o New York Herald) que começavam a ensaiar certas práticas comuns no século 20.

A separação entre a reportagem (neutra) e a opinião (subjetiva) foi uma delas. A valorização de fontes e testemunhas na escrita da notícia foi outra.

Por outro lado, nem todos os grandes jornais conseguiram essa separação entre os desejos e a realidade, sobretudo quando estava em causa a União Soviética: as reportagens fantasiosas de Walter Duranty, correspondente do New York Times em Moscou nas décadas de 1920 e 1930, são uma mancha inapagável (e premiada com um Pulitzer).

Mas o ponto permanece: o jornalismo do futuro vai aprofundar e refinar a busca pela objetividade? Ou irá regredir a tempos pré-modernos, quando o tribalismo imperava?

Não estou otimista. Mas reconheço a ironia: não são as redes sociais que matam os jornais; são eles próprios que se suicidam quando seguem o exemplo das redes.

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