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1. Estou cansado de Naomi Osaka. Estou cansado da multidão que aplaude Naomi Osaka sempre que ela desiste de jogar porque, sei lá, as coisas não correm do jeito que ela quer.
Aconteceu agora, na terceira rodada do US Open: Osaka perdeu, e perdeu bem, apesar das mil acrobacias teatrais durante o jogo para mostrar ao mundo a sua frustração. Depois, em lágrimas, confessou que não sabe quando voltará a jogar. Como ela mesma afirmou em entrevistas, sente-se ansiosa quando o fracasso bate à porta.
Antigamente, números desses eram recebidos com indiferença. Minto. Eram recebidos com críticas: um jogador de alta competição não vale apenas pelo apuro técnico; vale também pela capacidade incomum de suplantar as limitações e as fraquezas mais mundanas. Hoje, o roteiro é conhecido: o atleta é apresentado como um mártir da alta competição, submetido a torpezas jamais imaginadas na história humana.
Culpar as pressões da mídia, ou o sistema desumano da alta competição, pelos nossos fracassos pessoais é uma forma perversa de sujar o sucesso dos outros
O mesmo aconteceu, tempos atrás, com a ginasta Simone Biles, que desistiu dos Jogos Olímpicos para proteger a sua “saúde mental”. Os elogios foram fartos. E, que eu me lembre, só o jornalista Brendan O’Neill desafinou do coro em editorial para a revista britânica Spiked: a desistência de Biles era triste, não heroica, escreveu. E mais triste ainda era a celebração unânime da vitimização sobre o heroísmo, acrescentava.
Concordo com O’Neill. Aliás, se as coisas continuarem assim, não excluo que nos próximos Jogos Olímpicos o sistema de medalhas seja abolido – e todos os participantes tenham direito, logo de início, a uma medalha de ouro só por terem tido a coragem de comparecer.
Ponto prévio: a saúde mental não é brincadeira. Brincadeira? Sou a última pessoa do mundo a brincar com o assunto e o meu rosto poderia ser a capa do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Mas não sou atleta de alta competição. E não creio que Naomi Osaka, ou outros como ela, sejam mártires de coisa nenhuma.
Para começar, não consta que Osaka seja obrigada a jogar tênis. Não há relatos de que a sua família tenha sido sequestrada numa caverna para que ela se arraste pelo planeta inteiro de raquete na mão. Se jogar e perder é um destino insuportável, e se a pressão esportiva e midiática não contribui para o seu são equilíbrio, há mil carreiras alternativas para uma mulher privilegiada como ela. O mesmo não pode ser dito de incontáveis mulheres que sofrem na pele as agruras de uma existência pobre e de um trabalho precário – e não têm outra alternativa de vida.
Por outro lado, existe na atitude de Osaka uma essencial desonestidade: ela perdeu a terceira rodada do US Open porque a canadense Leylah Fernandez jogou magistralmente bem.
Culpar as pressões da mídia, ou o sistema desumano da alta competição, pelos nossos fracassos pessoais é uma forma perversa de sujar o sucesso dos outros. O sucesso daqueles que enfrentaram os mesmos medos e desafios – e, apesar disso, tocaram no dedo da excelência. Eis, no fundo, a atitude típica do ressentido, que prefere tocar fogo em tudo para não se confrontar com as suas próprias limitações.
Não consta que Osaka seja obrigada a jogar tênis. Se jogar e perder é um destino insuportável, e se a pressão esportiva e midiática não contribui para o seu são equilíbrio, há mil carreiras alternativas para uma mulher privilegiada como ela
2. Depois da vitória do Talibã no Afeganistão, alguma mídia começou a falar de um personagem enigmático: o “Talibã moderado”. Quem seria esse ser? Um cavalheiro barbudo que aprendeu maneiras nas escolas de etiqueta do Paquistão? Alguém disposto a celebrar a diversidade e a inclusão nomeando várias mulheres para o governo e permitindo, uma vez por ano, uma parada LGBTQIA+ nas ruas de Cabul?
Não sei. O que sei é que o personagem ainda não apareceu. A mesma mídia que acreditava na retórica “delicodoce” do grupo começa nesse momento a reportar as suas habituais barbaridades.
Nada que incomode alguns cérebros brilhantes. Como a ministra da Igualdade da Espanha, que tratou logo de relativizar o assunto. “Em todos os países as mulheres são oprimidas”, respondeu Irene Montero. O que permite concluir que o Afeganistão não é muito diferente da Espanha em matéria de direitos femininos.
Moral da história? Quando as mulheres afegãs têm esse tipo de amigas no Ocidente, elas não precisam de inimigos no Oriente.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos