| Foto: klimkin/Pixabay
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1. É a polêmica do momento na França: Pauline Harmange, 25 anos, fez um manifesto com título inusitado – “moi les hommes, je les deteste” (“detesto os homens”). É uma apologia da misandria, e Harmange não poupa palavras. Homens não são confiáveis; preguiçosos, narcisistas, potencialmente abusadores, ela se sente melhor longe deles. Aliás, não só se sente melhor como aconselha mulheres a seguirem o seu exemplo. É libertador, diz ela, viver uma vida sem estar na órbita do macho.

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O caso não passaria de uma bizarria literária se o conselheiro do Ministério para a Igualdade de Gênero não tivesse entrado em cena. A misandria, tal como a misoginia, constitui um crime de ódio, avisou o senhor Ralph Zurmély. Será que a editora – a minúscula Monstrograph – estava ciente disso? Se não estava, passou a estar: o livro está esgotado e só haverá reposição se alguma editora maior estiver disposta a assumir o risco.

Ah, hélas! Tenho pena de não ter uma editora na França. Publicaria o livro de Harmange sem hesitar. Como publicaria panfletos misóginos e misantropos desde que bem escritos e bem pensados. Por quê? Para começar, porque qualquer tentativa de censura de Estado me provoca urticária mental. Não cabe ao governo decidir o que eu posso ler ou ver. Essa decisão é minha, partindo do pressuposto de que sou um adulto e não uma criança. As tentativas contemporâneas de limitar o que podemos ler ou ver, mesmo que travestidas em nome do “bem comum”, participam do mesmo espírito inquisitorial que animava ditaduras ou teocracias passadas.

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Por mais desconfortável que seja a expressão de antipatia profunda por homens ou mulheres, esse desconforto não é razão suficiente para proibir a sua manifestação pública

Claro que a “exortação ao ódio” pode ter consequências nefastas: um livro que defendesse a matança indiscriminada de grupos ou minorias seria um caso judicial óbvio. Mas a misandria ou a misoginia não jogam no mesmo campeonato: por mais desconfortável que seja a expressão de antipatia profunda por homens ou mulheres, esse desconforto não é razão suficiente para proibir a sua manifestação pública.

Como afirmava George Steiner anos atrás, em conversa com o escritor português António Lobo Antunes, não é fácil escrever grande literatura tendo o ódio como musa. Mas há exceções: os ensaios de Hazlitt, as sátiras de Swift, os romances de Céline. Só cabeças primitivas gostariam de jogar esses livros na grande fogueira da bondade.

Se Harmange abomina homens, só lhe posso desejar melhor sorte com mulheres. Embora, nesse quesito, a autora seja contraditória: em entrevistas, madame Harmange tece elogios ao marido e ao pai, que considera exceções da regra. Posso estar errado. Mas ter dois homens tão excepcionais ao seu lado faz de Pauline Harmange uma mulher bastante mais afortunada do que a maioria das mulheres que conheço. Pior que os crimes de ódio são os crimes de ingratidão quando falamos de barriga cheia.

2. Neste mundo de vitimização permanente, era inevitável que veganos e nudistas também tivessem o seu momento. Leio na imprensa que, no Reino Unido, ambos apresentam as suas escolhas de vida como “sistemas filosóficos”. O que significa que a proteção legal que é concedida a religiões ou minorias deve também contemplar o veganismo e o nudismo.

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Não sei que diga. Sobre veganos, entendo que não é agradável estar sossegadamente a comer nozes ou cenouras e ter olhos de escárnio sobre nós. Mas, por outro lado, também confesso que a minha primeira reação perante os perseguidores é ter pena deles. O que levará uma pessoa a cultivar um ódio irracional por nozes e cenouras? Que tipo de vida ela terá para sentir uma raiva instintiva contra frutos e legumes?

Neste mundo de vitimização permanente, era inevitável que veganos e nudistas também tivessem o seu momento

Arrisco uma hipótese: só sentimos ódio por vegetais quando a nossa existência é bastante parecida com um vegetal. Tratamento psiquiátrico, e não multa ou prisão, parece-me uma solução mais equilibrada.

Sobre os nudistas, o dilema é mais complexo: se aceitamos manifestações públicas de religiosidade, como recusar aos nudistas a possibilidade de circularem como vieram ao mundo sem serem importunados por terceiros?

Boa pergunta. Difícil resposta. Se todos os corpos seguissem as proporções da estatuária grega, eu seria o primeiro a sair de casa para exibir os meus argumentos. Mas, conhecendo a diversidade da espécie, e sobretudo conhecendo o meu reflexo no espelho, desconfio que a sociedade não aguentaria o impacto psicológico de certas visões. O mais certo era aumentarem os crimes de ódio – contra nudistas e, já agora, contra veganos. Parafraseando o doutor Freud, às vezes uma cenoura não é apenas uma cenoura.

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