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Com máscaras de proteção, público compareceu ao Grande Prêmio de Portugal no dia 25 de outubro de 2020.
Com máscaras de proteção, público compareceu ao Grande Prêmio de Portugal no dia 25 de outubro de 2020.| Foto: AFP

Amigos brasileiros enviam mensagens. Que se passa com Portugal? No início da pandemia, o país era um exemplo para o mundo. Agora, é uma vergonha. Somos o pior país em número de infectados e mortos por milhão de habitantes.

Entendo o espanto. Mas ele parte de uma premissa errada: Portugal nunca foi um exemplo, exceto na retórica dos seus políticos e no jornalismo acrítico que a divulgou. A situação atual é apenas o somatório de todos os erros cometidos nos últimos 11 meses. Falhou tudo. Testes, rastreios, isolamentos. O sistema de saúde não foi reforçado em tempo útil com o setor social e privado. Não houve preparação para a segunda onda que todos os cientistas avisaram que chegaria em outubro. E a demora na vacinação põe o país abaixo da média europeia.

Sem falar do comportamento errático das lideranças sanitárias e políticas. As primeiras, quando ouviram falar do vírus, garantiram que ele jamais chegaria até nós. Depois, quando chegou, garantiram que o uso de máscaras não era necessário porque dava apenas “uma falsa sensação de segurança”. O governo esteve ao mesmo nível: proibia ajuntamentos para o cidadão comum e abria exceções para congressos partidários ou corridas de Fórmula 1.

O Estado é fundamental, sim, e nenhum liberal o nega. Mas é preciso que ele seja profissional e capaz

De resto, o cúmulo da incompetência está hoje à vista: no momento em que escrevo e com o país de novo confinado, há eleições presidenciais. Ninguém se lembrou de adiá-las, como aconteceu em vários países com surtos pandêmicos.

Eis a verdade: se os mortos por Covid-19 nos Estados Unidos já ultrapassaram as baixas militares da Guerra do Vietnã, os mortos portugueses também já suplantaram os soldados que tombaram na guerra colonial na África (1961-1974).

Meu único consolo é saber que, apesar de sermos o pior caso no momento, não estamos sozinhos. Se a pandemia mostrou algo, foi o brutal despreparo dos países ocidentais para lidar com o infame bicho. Um livro recente da dupla John Micklethwait e Adrian Wooldridge (The Wake-Up Call) faz esse diagnóstico com impressionante precisão. Segundo voz corrente, a pandemia humilhou os liberais ao salientar a importância do Estado para a saúde e para a economia.

Acontece que esse clichê está errado. O Estado é fundamental, sim, e nenhum liberal o nega. Mas é preciso que ele seja profissional e capaz. O que a pandemia revelou é que os Estados do Ocidente, ao contrário do que aconteceu com o Oriente no caso da Coreia do Sul ou de Cingapura (a China joga em outro campeonato), não foram capazes de cumprir a sua função essencial: proteger a população. Nesse sentido, a Covid-19 apenas acelerou uma “crise do Estado” que já vinha de trás e que, cedo ou tarde, seria exposta de forma tão cruel.

Para os autores, essa crise tem várias causas – o desinteresse dos mais preparados pela política, que abre espaço para o triunfo dos medíocres; a burocracia crescente que impede qualquer ação eficaz em tempo útil; a captura do Estado por lobbies diversos que o parasitam e sugam. Mas o Estado também entrou em crise à medida que foi sendo sobrecarregado com todas as tarefas da nossa vida política e social – das mais soberanas às mais minúsculas. Resultado? O vírus deu a volta ao mundo enquanto os nossos Estados paquidérmicos ainda calçavam os sapatos (obrigado, Mark Twain).

Ninguém sabe como será o futuro pós-pandemia. Historicamente, e como lembram Micklethwait e Wooldridge, surtos do tipo já determinaram o fim de grandes civilizações, como Atenas ou Roma. Para evitar um destino igual, reinventar o Estado para o século 21 é tão importante como foi a criação do Estado-nação para os séculos 16 e 17 (que pôs fim à rivalidade destrutiva do baronato medieval); do Estado liberal para os séculos 18 e 19 (que limitou ou aboliu o poder absoluto dos reis); e do Estado de bem-estar social para o século 20 (que resgatou da pobreza os eternos “invisíveis” da sociedade).

A pandemia mostrou a necessidade de Estados mais ágeis, mais profissionais, capazes de atrair os melhores (e afastar os piores), centrados nas suas funções essenciais (defesa, justiça, saúde, educação), rigorosos nos gastos e em colaboração permanente com os casos de excelência da sociedade civil, das universidades e do setor privado. Se isso não acontecer, a trilha sonora que infelizmente acompanha os meus dias e as minhas noites – sirenes de ambulâncias cruzando as ruas de Lisboa – só aumentará de intensidade no futuro.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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