Odiar os homens não tem nada de especial. Conhecendo a espécie, diria que é quase um milagre o fato de as mulheres se interessarem por nós. Mas Pauline Harmange vai mais longe: ela odeia os homens e declara isso no livro Moi les Hommes, Je les Déteste. Informa a Folha de S.Paulo que haverá edição brasileira no próximo ano, pela Record. Aplaudo.
Já escrevi sobre o fenômeno Harmange nesta coluna. Mas só recentemente li o livro, em edição inglesa, porque não consegui a edição francesa na altura da polêmica. Relembro: um assessor do governo de Emmanuel Macron ameaçou processar o selo Monstrograph por “apologia da misandria”. A editora, temerosa, não liberou reimpressões. O assessor em causa era um homem. Isso mostra como Pauline Harmange tem alguma razão para odiar quem odeia, embora eu talvez abrisse uma exceção para o cavalheiro em causa: graças à inteligência fulgurante do personagem, o manifesto virou best-seller internacional.
Mas Harmange tem razão noutras coisas. A primeira delas é a aversão que qualquer mulher deve sentir por homens que se declaram “feministas”. Ri alto quando li esse trecho. Conheço casos. Machos que usam o feminismo para sinalizarem a sua virtude – e, em certos casos, para poderem dormir com as mulheres. Nas palavras da autora, só canalhas como os homens seriam capazes de se apropriar de um termo que expressa a luta secular das mulheres por um mundo de igualdade e direitos. Da próxima vez que você, leitor, sentir a tentação de se declarar feminista, cale a boca. É mais honesto recorrer à velha canção do bandido do que à nova cantada do feminismo.
Qualquer mulher deve sentir aversão por homens que se declaram feministas
Por outro lado, são interessantes as reflexões de Harmange sobre a suposta equivalência entre “misoginia” (ódio às mulheres) e “misandria” (ódio aos homens). Serão a mesma coisa? Teoricamente, talvez. Mas Harmange argumenta que as consequências são distintas. A misandria não provoca vítimas. A misoginia tem um longo histórico de violência e morte. Concordo. E, sobre isso, acrescento: serei o único a sentir repulsa por “homens” que se sentem vulneráveis ou até vítimas do empoderamento feminino?
Nem todos somos como o patético assessor francês, no fim das contas. E é aqui que o manifesto de Harmange perde o seu fulgor: na ideia abstrusa de que a misoginia é um exclusivo dos homens. Ou, então, na afirmação pueril de que existe uma irmandade entre as mulheres. A história desmente essas fantasias: para cada feiticeira queimada, houve uma denunciante de feiticeiras. Para cada sufragista, uma antissufragista.
Anos atrás, lembro-me de ler uma história cultural da misoginia (Misogyny, do saudoso Jack Holland) na qual o autor lembrava os massacres de Ruanda. Para nos dizer que uma outra Pauline, no caso a ministra hutu Pauline Nyiramasuhuko, teve um papel crucial no genocídio das mulheres tutsis. Inversamente, como negar que existiram homens – do Iluminismo à emancipação política, sem esquecer a invenção da pílula – que estiveram do lado das mulheres? O corte radical com metade da espécie, mais do que ignorância, me parece erro estratégico para as etapas que faltam.
Por último, é estranho que uma feminista perspicaz como Harmange não repare no elefante que está no meio da sala: a misoginia, longe de ser uma afirmação de superioridade masculina, é o seu oposto – um produto do medo e da ansiedade dos homens face às mulheres. Nunca encontrei uma explicação satisfatória para esse medo e para essa ansiedade. Complexo de castração? Freud é um grande escritor, admito, mas mantenho o que disse Nabokov sobre ele: “É a aplicação de mitos gregos às partes íntimas”.
Prefiro os mitos gregos propriamente ditos. Como lembrava Jack Holland na referida história sobre a misoginia, o mito de Pandora é matricial nesse temor; as aventuras de Adão e Eva também. A mensagem é comum: cuidado com as mulheres, elas serão a perdição da humanidade! E por quê? Arrisco uma hipótese: porque, em ambos os casos, são as mulheres que exibem uma vontade de conhecimento e de liberdade que sempre assustou as almas medíocres. Mesmo que essa vontade seja o princípio, e não o fim, de toda a esperança.
“Eu detesto os homens”? O título é bom, madame Harmange, mas ficaria melhor com um ligeiro acerto: “Eu detesto os homens e algumas mulheres – mas é dos homens que sinto pena”.
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