Radha Blank em cena de The Forty Year Old Version, na Netflix.| Foto: Jeong Park/Netflix
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Os problemas raciais nos Estados Unidos não são para principiantes. Não são para mim. Não são para você, leitor branco, de classe média, que nunca sofreu na pele a violência da discriminação ou o paternalismo benigno, e usualmente branco, que se abate sobre os negros. Como sei disso? Porque escuto e tento aprender, sobretudo com quem tem a pele no jogo: os próprios negros.

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Sobre a violência da discriminação, há incontáveis filmes, livros ou tratados. O paternalismo benigno é mais raro, até porque a classe média branca, que fatura na bilheteria ou faz carreira universitária com o sofrimento dos negros, não gosta de se olhar no espelho. E dificilmente aceitará duas obras de três artistas e pensadores negros como Radha Blank, Shelby Steele e Eli Steele.

Primeiro, as senhoras. Assisti a The Forty-Year-Old Version, disponível na Netflix, totalmente abismado com o talento da senhora Blank. Ela escreveu, interpretou e dirigiu um dos filmes do ano. É a história de uma mulher negra a caminho dos 40, de nome Radha, que foi em tempos uma promessa da nova dramaturgia. Mas os anos passaram. Radha não teve outra produção de sucesso. E também não está disponível para ser o clichê do negro que os brancos adoram, produzindo “pornografia de pobre” (palavras dela) para contentar o bolso (e a má consciência) das elites “gentrificadoras”.

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O racismo, seja do bem ou do mal, é não conseguir ultrapassar a cor da pele

Antes de ser negra, Radha é uma mulher a caminho da meia idade, com os dramas inerentes a esse delicado período. Mas quem está interessado em financiar uma peça sua que não seja “pornografia de pobre”? Quem está interessado em vê-la como uma mulher de corpo e alma inteiras? Não o produtor (branco), que tem “um prazer quase erótico” com os dramas da comunidade negra.

Perante esse impasse, Radha procura reinventar-se como rapper. Não para verter na música o conhecido coquetel de violência e ressentimento. Mas para, através da música, resgatar as suas múltiplas identidades como mulher, negra, escritora, celibatária, satirista e poeta.

Eis a sutil e demolidora mensagem do filme: o racismo, seja do bem ou do mal, é não conseguir ultrapassar a cor da pele. É tentar aprisionar os negros com as correntes, reais ou conceituais, que são mais vantajosas para os brancos. Ah, a exploração, sempre a exploração!

Se Radha Blank denuncia o paternalismo branco, que dizer de What Killed Michael Brown?, de Shelby Steele e Eli Steele? A Amazon tentou remover a obra da sua plataforma de streaming. Depois de críticas mil, recuou e o filme pode ser visto. Vitória para a liberdade de expressão.

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Muito modestamente, não compro tudo. Os Steele, pai e filho, regressaram a Ferguson, no estado americano de Missouri, para revisitar a morte de um jovem negro (Michael Brown, 18 anos) às mãos de um policial branco (Darren Wilson). Fato: antes de ser alvejado, Brown assaltou uma loja de conveniência e tentou agredir o referido policial. Mas, estando desarmado, será que a única forma de o imobilizar era despejando o revólver sobre o seu corpo?

Repito: não compro. Mas compro várias perguntas que Shelby Steele, ele próprio descendente de escravos e vítima da segregação durante a sua infância e juventude, vai desfiando ao longo da obra. Como explicar que a morte de Michael Brown tenha incendiado a América em 2016, mas ninguém tenha saído às ruas para protestar contra os 762 negros que foram mortos só em Chicago no mesmo ano?

Os negros, depois de todas as provações, permitiram que os seus destinos voltassem a ser decididos pelos brancos. Como resultado, ficaram novamente prisioneiros da “bondade” dos novos senhores

A resposta, imperdoável para Steele, é que esses 762 negros, na maioria, foram assassinados por outros negros. E uma parte do ativismo que domina e fatura com o “racismo sistêmico” está completamente cega para o que se passa no interior das próprias comunidades negras mais pobres.

O ponto central da obra dos Steele é que foi também essa pobreza, e não apenas o policial branco, que matou Michael Brown. Uma pobreza que se explica com a herança viciosa do passado escravocrata e segregacionista da América, sem dúvida. Mas também com a cultura assistencialista que a elite liberal branca foi impondo a partir da década de 1960, removendo toda a responsabilidade – individual, familiar, educacional e cívica – dos ombros dos próprios negros. Como se eles fossem crianças, incapazes de autodeterminação.

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É uma atitude neocolonial, afirma Steele, para além de tragicamente irônica: os negros, depois de todas as provações, permitiram que os seus destinos voltassem a ser decididos pelos brancos. Como resultado, ficaram novamente prisioneiros da “bondade” dos novos senhores.

O filósofo Isaiah Berlin, recordando Kant, costumava dizer que o paternalismo é a pior forma de opressão. Depois de assistir às obras de Radha Blank e da família Steele, é difícil discordar.