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Houve um tempo em que as guerras culturais me deprimiam. Não mais. Com a meia-idade, uma pessoa aprende a duras penas que a estupidez tem mais energia do que nós. Melhor sentar no sofá e, contemplando a cápsula de cianeto para qualquer emergência, deixar o cortejo passar.

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Uma universidade na Califórnia anunciou por esses dias que a palavra "field" ("campo") deixará de ser usada nas aulas. Campo, segundo o dicionário, significa "um terreno plano e extenso destinado à agricultura ou às pastagens". Em contexto acadêmico, se refere a uma área científica ou prática de investigação ("trabalho de campo", por exemplo). Não para a University of Southern California. "Campo" remete imediatamente para os campos de algodão onde os escravos eram forçados a trabalhar. Em nome de um espaço seguro e inclusivo, a palavra será substituída por "practicum", o que não deixa de ter variações engraçadas.

Na física, um campo magnético será um practicum magnético. Em história, um campo de batalha será um practicum de batalha. O mesmo para um practicum de concentração. E, na linguagem comum, imagino convites para o fim da semana. "Vamos passar uns dias na minha casa de practicum?" "Não, prefiro praia."

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A medida, que parece delirante, é bem modesta se considerarmos o vasto campo -peço desculpa: o vasto practicum de heranças perversas que a civilização nos deixou.
Para ficarmos ainda no practicum de algodão, é só uma questão de tempo até alguém sugerir que o próprio algodão deveria ser banido de vez. Como é possível tolerar uma fibra que, desde o antigo Egito, está invariavelmente marcada pela servidão?

Aliás, é difícil encontrar uma peça de roupa que não transporte em si a marca de algum crime qualquer, sobretudo contra animais. Não será a nudez total a única forma de nos redimirmos de vez?

Além disso, e como notaram vários críticos da medida, é estranho que, na ânsia de purificar o mundo pela purificação da linguagem, os novos inquisidores tenham escolhido uma palavra latina, ou seja, falada pelos romanos, conhecidos escravagistas (e imperialistas). Será que ninguém reparou?

Lamentável. Ou a universidade inventa uma palavra nova para designar campo (e algodão e também universidade e tudo mais que faz parte da língua), ou só o silêncio nos salvará do erro e da barbárie.

Felizmente, a direita radical é tão inteligente quanto a esquerda radical. Se dúvidas houvesse, bastaria olhar para os Estados Unidos, onde os fogões a gás estão no centro de uma discussão feroz. Será que a administração do democrata Joe Biden vai entrar na casa dos americanos para remover essas preciosidades?

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A Casa Branca já respondeu que não tenciona fazer isso. Mas a direita radical não se convence: se os fogões a gás fazem mal à saúde e ao ambiente, é uma questão de tempo até haver uma lei qualquer que proíba o bom povo de contemplar uma chama de fogo verdadeira. E, claro, de se matar lentamente enquanto faz a janta.
Por mim, estejam à vontade. Mas não deixa de ser fascinante essa guerra constante entre a direita radical e as mais básicas informações científicas. É como se os avanços no conhecimento fossem uma ameaça existencial para eles.

Sou até capaz de imaginar uma peça de teatro em que Alexander Fleming, transportado para o século 21, é obrigado a se esconder. "Vai para Cuba, Fleming!", gritam uns. "Penicilina não entra no meu corpo, não", gritam outros. Nas redes sociais, um deles garante: "Infecção é com sanguessugas mesmo. Vou continuar com esses bichinhos lindos chupando meu braço, como já faziam meus avós".

O que é válido para antibióticos vale também para anestesias, odontologias e qualquer fármaco inventado nos últimos, digamos, 150 anos. Pergunta o médico: "O senhor quer um calmante ou prefere a boa e velha lobotomia?".

Responde, então, o doente: "Não confio em químicos, venha o berbequim".
É nesses momentos que, flertando com minha cápsula de cianeto, imagino um mundo dominado por radicais.

Por um lado, gente pelada grunhindo, para não ofender as sensibilidades. Do outro, gente incapaz de conceber uma forma alternativa de cozinhar que não passe por um belo fogo.

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Agora que penso nisso, esse mundo cavernícola não seria tão original assim: basta recuar uns 50 mil anos e encontrar nossos antepassados na escala da evolução. O futuro da história parece ser a pré-história.