Estaremos cansados das redes sociais? Mistério. Mas, no Reino Unido, o mistério já tem números e a conclusão é relevante: os nativos dão sinais de deserção. Os pormenores vêm na The Economist. Tradicionalmente, os britânicos obtêm a sua informação da televisão, dos jornais (cada vez menos) e das redes sociais (cada vez mais). Mas parece que, pela primeira vez, a porcentagem de consumidores de informação nas redes declinou em 2020 (de 49% para 45%).
Além disso, a opinião que se tem desses vespeiros de vaidade e ódio deteriorou-se também: as redes são menos rigorosas, confiáveis, imparciais. A pandemia teve uma palavra sobre o assunto: na primeira semana, 49% recorriam à internet para entender o novo vírus; na 20.ª semana, só 29%. Na hora do aperto, é da mídia tradicional que o pessoal gosta mais.
As redes sociais são a negação das virtudes que se esperam do homem democrático moderno
Mas o ponto principal é outro: com vírus ou sem, há uma certa exaustão com as notícias, em geral, e com as redes sociais, em particular. Moral da história? É cedo para dizer. Mas, se a tendência de afastamento entre usuários e redes continuar, talvez esteja aqui uma hipótese em que ninguém tinha pensado.
Nas discussões eruditas sobre a democracia liberal e a internet, há um pensamento binário em ação: ou a democracia vai ser capaz de domar o faroeste da internet ou a internet vai acabar com a democracia liberal. Fiel aos meus princípios pessimistas, sempre joguei no segundo time. Razões históricas e até morais.
Historicamente, aquilo que designamos por democracia liberal sempre dependeu de um compromisso: o povo tem uma palavra no processo (votando), mas não tem a última palavra (metendo o bedelho nas instituições independentes, como o Judiciário, por exemplo). Os pais fundadores dos Estados Unidos sabiam que a democracia direta, para além de impraticável em grandes extensões territoriais, era sobretudo perigosa: a tirania, para eles, não era exclusiva de um rei; poderia ser exercida por uma multidão.
Para evitar isso, o governo representativo ou um sistema de freios e contrapesos eram necessários para filtrar as paixões da maioria. “Se os homens fossem anjos”, lamentava James Madison, “não seria necessário haver governos”. Os apologistas das redes sociais partem sempre do pressuposto de que todos os homens são anjos. É a materialização da “vontade geral” de que falava Rousseau que termina quase sempre no “estado da natureza” de que falava Hobbes, com o triunfo eleitoral da ignorância e da boçalidade.
Mas as redes sociais são também a negação das virtudes que se esperam do homem democrático moderno. Um livro recente, escrito por Jamie Bartlett e intitulado The People vs. Tech, ilumina esse ponto tantas vezes esquecido: a democracia só funciona entre seres autônomos e conscientes de uma cultura partilhada. “Seres autônomos” significa seres racionais, capazes de ajuizar qualquer assunto público sem que a parte reptiliana do cérebro seja dominante. As redes sociais, e o funcionamento em “bolhas”, promovem o réptil que há em nós, deixando para trás a racionalidade do superego.
O mesmo vale para a importância de uma cultura partilhada. Pergunta: por que motivo (ainda) não nos matamos uns aos outros quando o resultado de uma eleição deixa metade do país descontente? Resposta: porque, apesar de tudo, ainda nos consideramos parte da mesma família.
Eis, no fundo, a principal proeza do Estado-nação, como repetidas vezes lembrou o saudoso Roger Scruton. Em regiões do mundo onde o elemento nacional está ausente, a religião ou a etnia impedem uma sociedade de cidadãos. Temos apenas uma sociedade de inimigos que olham para uma derrota eleitoral como uma declaração de guerra às suas identidades particulares. Como dizia Scruton com bastante humor, a democracia no Ocidente define-se por “one man, one vote”. Fora do Ocidente, é mais “one man, one vote, one time”.
Com vírus ou sem, há uma certa exaustão com as notícias, em geral, e com as redes sociais, em particular
Pois bem: o que as redes sociais fazem é tribalizar a cultura partilhada. O que demorou séculos a construir – uma identidade nacional e territorial que era sempre mais importante do que os resultados circunstanciais de uma eleição – é destruído em pouco tempo por uma falsa sensação de urgência e perigo. No seu livro, Jamie Bartlett oferece algumas soluções clássicas para evitar o desastre: mais regulação sobre os gigantes tecnológicos, melhor educação para as massas, menos desigualdade social etc. etc.
Mas é preciso não excluir completamente a hipótese britânica: e se houver um declínio das redes sociais por simples cansaço dos usuários?
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