Aos poucos, sem alarde e quase sem resistência, o Brasil caminha para ser redesenhado segundo o ideal dos poderosos de plantão: um país “recivilizado”, onde a “normalidade democrática” é o fim da liberdade de expressão e pensamento, o silenciamento e a censura prévia a certos temas ou grupos políticos. O ápice da civilidade e da democracia, nesta visão distópica, é a criminalização de críticas a instituições e autoridades, permitindo-se apenas incensos e louros a quem quer que esteja num cargo de autoridade e exigindo que toda comunicação oficial seja vista como verdade incontestável e absoluta, impossível de ser criticada.
Não faz muito tempo – vocês lembram –, um ministro do Supremo disse desejar que o país fosse recivilizado – com a ajuda do STF, claro, pois, se somos selvagens, precisamos ficar sob o jugo de iluminados. Chamei isso de “civilidade de escravos”, pois, bem sabemos, o que mais desejam os poderosos em geral é tornar a população cada vez mais apática, tímida e temerosa, incapaz de criticar eventuais arbítrios ou mesmo expressar suas opiniões. Pouco depois, outro ministro da mesma corte defendeu a regulamentação das redes sociais para, vejam só, garantir que o país volte à “normalidade democrática”.
Imagine as oficinas de censura, com dezenas de militantes deste ou daquele partido ou grupo, ocupados apenas em pedir a retirada sumária de postagens comuns que desagradem seus líderes. Coisa de filme? Não, coisa da utopia imaginada pelos nossos supremos censores
Essa tal “normalidade democrática” defendida pelo ministro certamente não é a mesma que eu, e talvez você também, defende para o Brasil, ou seja, um ambiente onde possa existir o debate público de fato, onde críticas legítimas não sejam criminalizadas, não exista censura e pessoas não sejam perseguidas por serem deste ou daquele partido. Nada disso: a "normalidade democrática" nesse caso deve ser bem próxima da "recivilização": um ambiente onde não haja embates, nem críticas nem nada – um grande e silencioso nada, onde só se ouvem as vozes dos próprios poderosos. E eles estão cada vez mais perto de conseguir materializar seus desejos.
A corte está julgando se as redes sociais devem ou não ser responsabilizadas pelo que os usuários publicam e como deve ser a atuação das plataformas a respeito. Hoje, se alguém se sente incomodado com uma postagem, procura a Justiça e, só após uma decisão judicial, pode pedir a retirada dos conteúdos. Mas os ministros do STF têm dado a entender que acham isso pouco: Dias Toffoli, por exemplo, pretende que certos conteúdos sejam retirados do ar por conta própria, algo que pode ser feito até de forma automática pelas plataformas.
Em casos muito específicos, as plataformas já fazem isso para, por exemplo, combater a pedofilia ou violência. Mas Toffoli quer incluir nessa lista de “postagens ilegais” muitos outros itens, como “crimes contra o Estado Democrático de Direito”, “infração sanitária”, “divulgação de fatos inverídicos e descontextualizados” e “divulgação de fatos notoriamente inverídicos que possam causar danos às eleições”. Para fazer essa triagem, as redes sociais, obviamente, teriam de seguir à risca o entendimento que o próprio STF tem usado para definir “crimes contra o Estado” ou “fatos inverídicos”, por exemplo. Só poderia circular nas redes sociais postagens que estivessem de acordo com o que pensam os ministros da corte. Em suma, seria a institucionalização da censura no Brasil. Simples assim.
E não é só isso. Para postagens “legais”, sobre temas que não estivessem na lista maldita de temas proibidos, Toffoli defende que, caso alguém se sinta ofendido, bastaria acionar a rede social e a remoção teria de ser feita, independentemente de o suposto ofendido ter ou não razão. Já dá para imaginar o quão desastroso seria isso para o debate público: tudo o que alguém considerasse “ofensivo” seria deletado das plataformas. Postagens em defesa da vida, manifestações religiosas ou políticas, enfim, praticamente qualquer coisa, poderia ser retirada das redes sociais com base no princípio de que “não gostei disso, tem de apagar”.
Não duvide: logo poderemos ter milhares de microcensores das redes sociais no Brasil, trabalhando sem cessar pela censura, tentando apagar a pluralidade de pensamento – já bem frágil – das redes sociais. Imagine as oficinas de censura, com dezenas de militantes deste ou daquele partido ou grupo, ocupados apenas em pedir a retirada sumária de postagens comuns que desagradem seus líderes. Coisa de filme? Não, coisa da utopia imaginada pelos nossos supremos censores.
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