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Qual o risco que representa uma pessoa que ora, segundo suas próprias crenças e convicções? Rezar incomoda? Parecem perguntas descabidas. Afinal, rezar, especialmente dentro da tradição do cristianismo, mas não apenas nela, é essencialmente uma atitude pacífica, que envolve interiorização e a recitação, de forma oral ou mental, de preces. É difícil imaginar que alguém que esteja rezando possa representar alguma ameaça real a outra pessoa ou instituição, a ponto de ser alvo de sanções ou perseguições do Estado. Mas é exatamente isso o que tem acontecido de forma cada vez mais frequente.
Rezar tem se tornado uma atitude que incomoda, no mínimo suspeita, quando não criminosa pelo Estado – e aqui falamos de democracias, não de Estados totalitários, onde a liberdade religiosa não existe mesmo e todo mundo sabe disso. Em ditaduras e regimes não democráticos, comunistas, por exemplo, a religião é, no máximo, tolerada, mantida sob rígido controle do Estado.
Quando se ataca o direito de rezar, quando se tenta criminalizar uma prática pacífica e que nada tem de ameaçador, está se atacando a liberdade como um todo
Na China, é cada vez mais difícil ser cristão. Rezar incomoda muito o Partido Comunista e as restrições e interferências do Estado têm aumentado significativamente, a ponto de as igrejas serem obrigadas a retirar cruzes e outros símbolos dos templos. O Estado também interfere nas celebrações, alterando as cerimônias e exigindo a incorporação da ideologia comunista – é a política de “sinicização da religião”, que, em resumo, pretende fazer com que todo grupo religioso se submeta ao Partido Comunista Chinês.
Mais perto de nós, a Nicarágua do ditador Daniel Ortega tem se especializado em perseguir cristãos e a Igreja Católica. Durante a Páscoa, as ruas das principais cidades do país foram tomadas por policiais apenas para impedir as tradicionais procissões de Páscoa. Fiéis que chegavam às igrejas eram fotografados e ameaçados de prisão, num ato claro de intimidação. E na Venezuela, outro ditador, Nicolás Maduro, sempre que lhe dá na telha, “decreta” o Natal para alguma data aleatória, deixando de lado qualquer respeito ao significado da festa para os cristãos. Ditadores não dão a mínima para a religião – a menos que possam tirar proveito dela de alguma maneira.
Sim, a falta de liberdade religiosa é fato conhecido nos Estados autoritários em geral. Mas, nos países supostamente democráticos, esse direito, em tese, deveria ser protegido e rezar não deveria incomodar ninguém. Veja bem, não estamos falando aqui de casos extremos, quando a religião mal interpretada se torna pretexto para ações de violência, como se vê, por exemplo, entre facções que usam o islamismo para justificar suas atrocidades. Aqui tratamos principalmente da tradição ocidental do cristianismo, que tem como um de seus ensinamentos o amor ao próximo.
Poder ter e expressar sua própria crença, ir a uma igreja, se reunir para rezar é um direito básico, e é muito difícil encontrar alguma justificativa para que o Estado se intrometa em uma esfera tão particular. Novamente, qual o risco que uma pessoa ou um grupo de pessoas orando pode representar?
Acontece que estamos vivendo em tempos estranhos, e orar parece ser, aos olhos do Estado, algo perigoso, que precisa ser fiscalizado. É isso o que o Ministério Público de Pernambuco pretende fazer em relação às crianças e jovens que rezam nos intervalos das aulas nas escolas do estado. Os “intervalos bíblicos”, uma prática espontânea, que os próprios estudantes organizam e realizam na hora do intervalo das aulas, ou seja, que não atrapalha em nada o andamento das atividades curriculares, entrou na mira do MPPE. Foi determinado que seja acompanhado “o ensino religioso/laicidade nas unidades escolares da rede pública estadual (no Recife)”.
No Brasil, o Estado é laico, o que significa, entre outras coisas, que não se pode privilegiar ou promover uma determinada religião dentro de espaços institucionais – não caberia a uma secretaria de educação, por exemplo, determinar que os alunos participassem de cultos obrigatórios ou usar as aulas para proselitismo de uma determinada religião. Mas em Pernambuco, não é nada disso que está acontecendo. São os próprios estudantes – que poderiam estar usando o recreio para várias coisas – que resolveram usar seu tempo livre para orar. O problema é que isso incomodou o sindicato dos trabalhadores da educação de Pernambuco, que “questionou o uso de espaços públicos escolares para a realização de cultos evangélicos”. A oração dos alunos os incomodou.
No Reino Unido, foi a oração silenciosa feita nas ruas, próximo das clínicas de aborto, que causou incômodo e acabou virando crime. Isso mesmo: cristãos que ficarem próximos de clínicas de aborto, pararem por algum momento e resolverem orar silenciosamente, apenas dirigindo piedosamente seus pensamentos a Deus pelas vidas em jogo dentro das clínicas, estarão cometendo um crime e poderão ser sentenciados a multas e outras penas.
Nas redes sociais, a oração também incomoda, como provaram dois casos de censura recentes no Brasil. Dois religiosos brasileiros, um frei e uma freira, que usavam as redes sociais para lives de oração, que conectavam milhares de fiéis, tiveram suas contas bloqueadas e suas transmissões interrompidas por algum tempo. Não foi uma iniciativa do Estado nesse caso, pois a suspensão foi feita pelas próprias plataformas, que não explicaram os motivos da suspensão – a única justificativa foi a de que os religiosos teriam infringido as diretrizes dos sites.
Frei Gilson é conhecido por suas transmissões diárias às 4 da manhã para rezar o rosário – suas lives chegaram a atingir 700 mil pessoas simultaneamente. A irmã Kelly Patrícia, do Instituto Hesed, também usa as redes sociais para transmissões ao vivo em que reza online com seguidores de todo o país o rosário nas madrugadas. Os dois tiveram suas lives suspensas por alguns dias, sem explicações ou justificativas, e dias depois suas redes sociais voltaram ao normal, também sem nenhuma explicação. O mais provável é que ambos tenham sido alvo de denúncias de pessoas muito incomodadas pelo fato de existir milhares de cristãos dispostos a acordar de madrugada para rezar.
Rezar incomoda. Incomoda especialmente aqueles que não querem que exista liberdade de expressão, de pensamento, de crença. Quando se ataca o direito de rezar, quando se tenta criminalizar uma prática pacífica e que nada tem de ameaçador – até a ciência preconiza que a oração tem efeitos positivos sobre a saúde física das pessoas – está se atacando a liberdade como um todo. Rezemos para que esse mal não vença.