O presidente Lula.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Poucos entendem o que anda acontecendo no Brasil. Se você, por exemplo, fosse um alienígena que pousasse na Terra neste exato momento, mais precisamente em uma porção de terra localizada majoritariamente ao sul da linha do Equador, que os terráqueos denominam Brasil, encontraria uma situação bastante singular. Após uma breve pesquisa, descobriria que esse país diz ser uma democracia, conceito este que você também tentaria entender – pois, diferentemente da maior parte dos habitantes do Planeta Terra, você costuma pesquisar e buscar entender algo antes de opinar.

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Após pesquisar sobre o assunto usando fontes confiáveis, entenderia que a democracia é um conceito riquíssimo, mas que, sinteticamente, refere-se a um tipo de governo onde há participação do povo, através de eleições periódicas, que permitem a alternância de poder e evitam que alguns tiranos se perpetuem no poder indefinidamente.

“Protestar contra governos e autoridades é crime em uma democracia? Não faz sentido!”, você pensa – e com razão, afinal, protestar e demonstrar insatisfação contra autoridades e governantes faz parte de todas as democracias

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Mais do que isso, o que lhe chamaria a atenção seriam as condições necessárias para que a democracia exista: as pessoas devem ser livres para pensar e expressar suas ideias e posições, e esse direito, a liberdade de expressão, deve ser defendido e protegido. Isso está escrito no principal documento do país, chamado Constituição. Isso lhe causa admiração, afinal, todos em seu planeta diziam que os humanos eram muito primitivos, dados a ações intempestivas e violentas, capazes de várias atrocidades contra outros humanos, entre elas o desejo de impor-lhes a própria vontade e esmagar opositores. Isso atiça sua curiosidade sobre como essa democracia funciona e está acontecendo no Brasil.

Para você, vindo de um planeta onde governos eram desnecessários, com as atividades de gestão deixadas ao cuidado das máquinas, saber que os humanos prezavam a liberdade – e a defendiam como um direito – causa surpresa, uma surpresa positiva. “Ora, eles não são assim tão animalescos”, você pensa, já ensaiando o que irá dizer ao voltar ao seu planeta. Nada mais natural que você queira ver de perto o que está acontecendo nesse país chamado Brasil.

Certo de que seria muito bem recebido no Brasil, você procura o governante máximo do país para saber como a democracia é exercida na prática – e aí começa a confusão. Suas pesquisas indicaram que o presidente do Brasil se chama “Lula” – algo que o faz rir, pois lula, para todos os efeitos, refere-se a um molusco terráqueo de muitos braços, liso e escorregadio, cuja principal arma é lançar cortinas de fumaça e aderir às cores do ambiente conforme lhe convém.

Enfim, ao encontrar-se com Lula, você se decepciona. O grande número de assessores, apoiadores e afins, todos vestidos de bonés vermelhos, o assusta, mas o que lhe causa mais desconfiança são os inúmeros bilhetinhos entregues por uma mulher – Janja, a primeira-dama – ao presidente. É ela quem completa as frases do presidente, o corrige e conduz verdadeiramente a conversa. Você pergunta como anda a democracia no Brasil, e ouve Lula, sempre sendo corrigido por Janja, dizer que a democracia brasileira está sob risco contínuo e que houve uma tentativa de golpe de Estado. Assustado, você pede mais detalhes e é obrigado a assistir a um documentário sobre a tal tentativa de golpe.

As imagens o deixam confuso. Há uma multidão vestindo verde e amarelo, a maioria gente idosa, com faixas pedindo liberdade e democracia. Eles entram em prédios que Lula-Janja diz serem a sede dos Três Poderes em Brasília, a capital do Brasil. Os edifícios estão todos vazios; os poucos seguranças dos prédios apenas observam. Há gente – poucos – que quebra coisas, mas ninguém está armado, e nem há exército ou algo parecido. Inocentemente, você pergunta como é que aquelas pessoas poderiam dar um golpe de Estado, sem armas, sem apoio militar, só entrando em prédios vazios? A pergunta causa desconforto e murmúrios entre os apoiadores de vermelho, que começam a murmurar “ET fascista”, e você percebe que é hora de ir embora.

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Ainda incrédulo sobre a tal tentativa de golpe contra a democracia brasileira, você descobre que o Brasil possui um defensor-mor da democracia, um juiz da maior corte de Justiça do país, que se vangloria, entre outras coisas, de condenar centenas de homens e mulheres exatamente por atentarem contra a democracia, usando todas as armas possíveis, incluindo algumas nem previstas pela própria legislação do país, para calar as tais ameaças à democracia.

Um país que usa a democracia, um conceito tão elevado, para condenar e perseguir seus próprios cidadãos, não é nem um pouco confiável

Você vai conhecer alguns desses perigosos marginais, condenados a quase duas décadas de cadeia por seus crimes horripilantes contra a democracia brasileira. Não lhe parecem ser vilões, apenas homens e mulheres, boa parte já de idade, comuns, incapazes de cometer qualquer crime. Você descobre então que uma das condenadas escreveu algo em uma estátua com batom; outra vandalizou a mesa do juiz defensor-mor da democracia; outro quebrou um relógio valioso. Mas a maioria foi condenada sem que se saiba exatamente o que fez, sem detalhes e provas sobre os terríveis atos que cometeram. A condenação é por “atos golpistas” – algo que você realmente não consegue entender.

“Protestar contra governos e autoridades é crime em uma democracia? Não faz sentido!”, você pensa – e com razão, afinal, protestar e demonstrar insatisfação contra autoridades e governantes faz parte de todas as democracias. Vez ou outra, os manifestantes erram a mão, cometem atos de vandalismo e quebra-quebra, e podem (e devem) ser responsabilizados por isso. Mas serem acusados e condenados por um crime de tentativa de golpe de Estado só acontece mesmo em ditaduras.

Já meio tonto com tantas contradições, você se informa melhor e vê que muitas pessoas dentro da democracia brasileira são impedidas de manifestar suas posições e ideias publicamente e que a liberdade de expressão de seletiva, vale apenas para alguns, curiosamente aqueles mais alinhados ao governo e autoridades.

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As redes sociais de quem é considerado “perigoso” para a democracia brasileira são excluídas sem explicações, suas contas bancárias são bloqueadas, assim como as de suas famílias. Eles são multados e incluídos em investigações sem fim, cujo teor ninguém conhece, são alvos da polícia, não podem sair do país e ficam presos sem explicação. Até conversas privadas entre essas pessoas são suficientes para motivar perseguição. “Tudo em nome da defesa da democracia”, é a explicação dada pelas autoridades, mas para você, que entende que democracia só existe em um ambiente de liberdade, isso não faz nenhum sentido. Você não consegue entender direito o que está acontecendo no Brasil.

A tal liberdade de expressão é tão pouco protegida que um juiz – o mesmo que se coloca como defensor-mor da democracia – manda bloquear toda uma rede de comunicação do país, calando milhões de pessoas, e ainda determina que quem tentar se comunicar por essa rede será multado. Isso acontece porque a rede de comunicação queria proteger a liberdade de expressão de seus usuários – mas não adiantou. Não podendo calar quem queria, o juiz simplesmente mandou calar a população inteira. E o pior é que parece que ninguém percebe o que está acontecendo. Há até quem aplauda as ações do juiz, como se, se fato, fossem necessárias e corretas, e isso lhe deixa ainda mais confuso. “Quem sabe a população está sob efeito de alguma droga? Impossível eles não perceberem o que está acontecendo”, você pensa, mas já se arrepende, pois teme que seus pensamentos também acabem sendo motivo para uma acusação de crime contra a democracia do Brasil. “Melhor ir embora”, você conclui.

Como um alienígena gente boa, cujo único interesse era conhecer o Brasil e sua democracia, você se entristece. Achou o Brasil muito lindo, com belas paisagens, clima agradável, e queria ficar mais tempo. Quem sabe até se mudar para cá. Mas um país que usa a democracia, um conceito tão elevado, para condenar e perseguir seus próprios cidadãos, não é nem um pouco confiável. Melhor voltar para sua galáxia e deixar os terráqueos brasileiros para trás.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]