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Jogos de Guerra

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Coluna semanal com reportagens exclusivas sobre assuntos militares, indústria bélica, forças armadas, zonas de conflito e geopolítica, com o jornalista Luis Kawaguti. Assista também à live semanal no canal do YouTube da Gazeta do Povo.

Crônica

A cidade que respira cultura vira uma zona fantasma: Odessa depois do ataque

Odessa vinha sendo poupada da guerra até os ataques de mísseis que começaram no domingo (3) e se estenderam ao longo da semana (Foto: Luis Kawaguti)

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O som de um míssil de cruzeiro atingindo a superfície à distância lembra a passagem muito rápida de um avião a jato, seguida de uma explosão abafada. Tudo dura pouco mais que um segundo. É como se o céu tivesse sofrido um corte abrupto e se recuperasse em seguida.

Eu já havia ouvido o som da queda de granadas de artilharia em outros conflitos, mas nunca o de um míssil estratégico. Fui acordado às 6 horas da manhã de um domingo, 3 de abril, por uma série deles caindo sobre a cidade de Odessa. Após a primeira explosão, foi possível ouvir ao longe os disparos da artilharia antiaérea.

As janelas de vidro do quarto do hotel vibravam. Nas ruas desertas, sons de pássaros assustados e o barulho das sirenes de ataque aéreo anunciavam o que já estava óbvio para cada cidadão. Imaginei que o alvo dos russos seria um depósito de combustíveis - pois havia presenciado dias antes dois desses ataques em Lviv e Lutsk.

Odessa é um dos principais portos ucranianos e abriga navios da Marinha e uma considerável frota pesqueira. Após a ofensiva inicial russa, apenas esse porto e o de Mykolaiv permanecem em mãos ucranianas.

A cidade também é um grande polo petroquímico, com refinarias, fábricas de fertilizantes e tintas. No momento do ataque, era impossível saber qual era o alvo dos russos. Uma coluna principal de fumaça podia ser vista partindo da região portuária e se espraiando e formando uma imensa nuvem negra.

Saí a pé pelas ruas, procurando os locais das quedas dos mísseis. Era meu segundo dia em Odessa. Havia lido que tratava-se de uma cidade elegante, que respirava cultura, com seus museus, teatros, ópera e balé construídos no início do século XIX, além de restaurantes e cafés badalados do século XXI.

Mas naquela manhã, era uma cidade fantasma, com ruas bloqueadas por obstáculos antitanque e grandes barricadas instaladas por toda parte. Eu não podia ver estátuas, obeliscos e monumentos - pois hoje estão todos escondidos sob enormes pilhas de sacos de areia, colocados para proteção do patrimônio cultural.

Antes da guerra, a cidade era um balneário muito popular, repleto de edifícios e hotéis luxuosos. No dia anterior, eu havia tentado me aproximar da praia, mas fui alertado pelos comerciantes locais: “Nem pense em pisar na areia, pois está toda minada para receber os russos. Duas pessoas já foram lá e explodiram sem querer nos últimos dias”.

Sem conhecer a geografia da cidade, usava um mapa no telefone celular para tentar adivinhar o local da queda dos mísseis. Avançando pelas ruas, começava a pensar que o alvo do ataque poderia ser o porto.

No íntimo, além de torcer para que aqueles mísseis não tivessem atingido prédios residenciais e ferido ou matado pessoas, também desejava que eles tivessem poupado a grandiosa escadaria Boulevard, ou escadaria Potemkin (que ficou assim conhecida por uma cena clássica do filme “O Encouraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein). A obra de 1837 liga o porto ao platô da cidade - que eu ainda não tive oportunidade de conhecer.

Depois de 40 minutos de caminhada, cheguei a uma colina e os alvos ficaram claros: era possível ver pelo menos quatro colunas de fumaça negra saindo de grandes instalações de armazenamento de combustível. O ponto de observação era privilegiado e em poucos minutos encontrei lá os amigos Leo e Jéssica, da Associated Press, jornalistas que eu estava acostumado a encontrar em reportagens no Rio de Janeiro.

A Rússia afirmou mais tarde que havia bombardeado uma refinaria e três depósitos de combustíveis. Os locais estariam sendo utilizados para suprir de combustível tropas ucranianas na frente de batalha de Mykolaiv, 130 quilômetros a leste de Odessa. Em poucas horas, gigantescas filas de carros se formaram nos postos de combustível da cidade.

Logo nas primeiras horas da guerra, iniciada em 24 de fevereiro, tropas russas saíram da península da Crimeia - que havia sido anexada pela Rússia em 2014 - e da província separatista de Donetsk, com o objetivo de tomar as principais cidades do litoral ucraniano.

Kherson, onde ficam as fontes de água para a Crimeia, caiu praticamente sem resistência. Depois vieram os portos de Berdiansk, inúmeras pequenas cidades da costa e Mariupol - que ainda resiste aos ataques russos, mas teve 80% de seus edifícios destruídos.

Segundo fontes de inteligência britânicas e americanas, o objetivo dos russos seria conquistar todo o litoral, para deixar a Ucrânia sem saída para o mar. O resultado seria que a Rússia ganharia portos quentes (que não congelam no inverno) de grande importância estratégica. A Ucrânia, por sua vez, teria que direcionar seu comércio internacional para as fronteiras secas a oeste (Polônia, Eslováquia, Hungria, Romênia) e para a calha do rio Danúbio.

Sem seus portos, aumentaria consideravelmente a chance da Ucrânia se tornar um estado falido - e, portanto, militarmente neutro, conforme Vladimir Putin parece desejar. Mas o avanço das tropas russas foi contido na cidade de Mykolaiv, que acabou transformada na maior fortaleza ucraniana no sul do país.

Por causa disso, a Rússia teria tido que abandonar seus planos de fazer um ataque de fuzileiros navais em larga escala em Odessa. Eles ficariam desprotegidos se chegassem à praia, mas não se recebessem ajuda do exército russo, que acabou contido em Mykolaiv. Os fuzileiros desembarcaram em Berdiansk, já sob domínio russo, e seguiram para outras frentes de batalha.

Assim, Odessa vinha sendo poupada da guerra até os ataques de mísseis que começaram no domingo e se estenderam ao longo da semana. Analistas militares afirmam que, se Mykolaiv cair, Odessa ficará cercada a leste pelas tropas que avançam pelo litoral e a oeste por tropas russas instaladas na Transnístria (território separatista na Moldávia).

Deixei Odessa dias depois, levando a esperança de que um cessar-fogo seja colocado em prática antes disso acontecer.

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