O bloqueio naval imposto pela esquadra russa aos portos ucranianos pode fazer com que centenas de milhares de pessoas em países compradores de grãos da Ucrânia fiquem sem alimento, segundo afirmou na sexta-feira (1º) o vice-ministro ucraniano da Política Agrária e do Alimento, Taras Vysotskyi.
Isso é uma questão estratégica, que pode gerar cenários de fome em países pobres que dependem da produção ucraniana e uma alta global de preços dos alimentos.
A Ucrânia é o sexto maior produtor de trigo do planeta e um grande produtor de óleo vegetal e cevada. Se sua produção não for exportada, os primeiros afetados serão os países pobres ou em conflito que dependem do Programa Mundial de Alimentos. Cerca de metade dos grãos comprados pela ONU para distribuir ajuda humanitária para 125 milhões de pessoas em países como Iêmen e Síria vem da Ucrânia.
O chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU, David Beasley, disse nesta semana que a invasão da Ucrânia pela Rússia pode provocar a pior crise alimentar global desde a Segunda Guerra Mundial.
Atualmente, todos os portos marítimos da Ucrânia estão bloqueados pela marinha da Rússia. Ao menos três navios mercantes que tentaram deixar o país foram bombardeados e o Mar Negro e o Mar de Azov estão repletos de minas marítimas.
A própria Rússia encontra dificuldades para exportar seus grãos devido a sanções econômicas aplicadas pelo Ocidente e devido ao fato das principais companhias seguradoras se recusarem a fazer seguros para embarcações que navegam pelo Mar Negro - uma das principais rotas comerciais da região. Juntos, a Rússia e a Ucrânia estão entre os três maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol.
A rota também está praticamente bloqueada para o comércio de fertilizantes e defensivos agrícolas, segundo a FAO, a agência de alimentos da ONU. A Rússia é a maior exportadora de fertilizantes à base de nitrogênio, a segunda maior fornecedora de fertilizantes à base de potássio e a terceira maior de fertilizantes à base de fósforo.
Por causa desses fatores, o preço dos grãos deve subir em todo o planeta. Segundo a FAO, os preços globais de alimentos já atingiram os maiores preços da história em fevereiro (desde o ano passado, o mundo vive uma escassez de fertilizantes). A agência estima que a guerra pode fazer com que os preços dos grãos subam entre 8% e 22% além do atual patamar.
Os primeiros reflexos do fechamento dos portos ucranianos já estão sendo sentidos em países em desenvolvimento. O preço do óleo vegetal subiu 36% no Iêmen, que está em guerra, e 39% na Síria, que vive situação de pós-guerra. A farinha de trigo subiu 47% no Líbano, 15% na Líbia e 14% na Palestina.
No Brasil, o aumento ainda é baixo (2%) em março. O que amenizou a alta foi a recente recuperação do real frente ao dólar. O Brasil importa cerca de 60% do trigo que consome.
Crise nas fazendas da Ucrânia
Essa situação global pode se agravar ainda mais. A Ucrânia tem um estoque de 19 milhões de toneladas métricas de grãos. Para se ter ideia, isso seria suficiente para alimentar o país por três anos. A produção de trigo já havia sido semeada antes da guerra e deve ser colhida em agosto. “Nós já plantamos o trigo, agora não tem como mudar”, disse o fazendeiro ucraniano Konstantin Gavrysh.
Ou seja, a produção não é o problema, mas sim como ela pode ser exportada. “Não sabemos o que vai acontecer, porque a exportação é pelo mar. O que nós sabemos é que a partir da próxima colheita vamos começar a plantar batatas e cenouras para alimentar os ucranianos”, afirmou.
Segundo a FAO, o governo ucraniano comprou dos estoques dos produtores uma quantidade equivalente de grãos suficiente para alimentar a população do país por um ano. O restante do estoque, os agricultores tentarão exportar por ferrovias através da Polônia ou pelo rio Danúbio através da Romênia. Mas não há garantias de que a estratégia vai funcionar.
“A Ucrânia tem assegurado a segurança global dos alimentos. Nós alimentamos centenas de milhares de pessoas. Estamos atualmente trabalhando para fazer mudanças nas nossas cadeias de exportação que estão bloqueadas”, disse Vysotskyi, o ministro da agricultura ucraniano.
“Mas, sem lutar contra o agressor e sem abrir nossos portos, não seremos capazes de alimentar centenas de milhares de pessoas, mas apenas dezenas de milhares”, disse.
Em outras palavras, vai haver menos grãos ucranianos no mercado a longo prazo, se a guerra continuar. Seja pela dificuldade de exportar ou pelo fato de que os agricultores vão começar a focar na produção de outros tipos de alimentos para consumo local.
Isso pode ser uma oportunidade para o agronegócio brasileiro, que pode se beneficiar de preços mais altos de commodities como milho e soja no mercado internacional. Mas isso pode aumentar os preços no mercado interno, e a população deve sofrer como a maioria dos outros países com a elevação geral dos preços dos alimentos.
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