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Embrenhado na floresta de Irpin, próximo à capital Kiev, o pernambucano Leanderson Paulino, de 28 anos, ouvia a aproximação de um blindado de transporte de tropas russo. Mas o BTR-80 não passou exatamente na área onde seu pelotão da legião internacional havia montado uma emboscada.
“Quando eu olhei, ele já estava em cima da gente, a seis ou sete metros. A minha reação ali foi em um milésimo de segundo. Foi Deus, lógico, se não fosse Ele eu não estava aqui. Peguei a minha mochila e me abriguei atrás de uma árvore”, disse Paulino.
“O cara lá em cima do blindado, o russo, já puxou a [metralhadora] .50 na minha direção. O russo olhou e eu já mandei os primeiros tiros. Eliminei o primeiro. O blindado parou. O segundo russo subiu [na torre de metralhadora] e eu o já ‘quebrei’ também. Aí começou a troca de tiros”, afirmou.
Esse foi o primeiro contato de Paulino com uma situação real de combate. Ele é militar da reserva do Exército Brasileiro e ex-agente penitenciário. O seu “batismo de fogo” aconteceu em março, quando as forças ucranianas lançaram contra-ataques contra as tropas russas que tentavam cercar Kyiv.
Segundo o comandante de Paulino, um francês que se identificou apenas como Dado, ao abater os russos que operavam a metralhadora do blindado, o brasileiro o salvou e diversos outros membros do pelotão, que estavam na linha de mira da metralhadora russa.
Todos os nove tripulantes do BTR-80 foram mortos no combate, segundo Paulino. Ao manobrar para fugir, o blindado teria colidido com uma barricada e acabou atingido por foguetes antitanque operados pelos legionários.
Mas Paulino contou que, depois da primeira vitória, seu pelotão acabou cercado por forças russas no meio da floresta de Irpin. “Chegou um momento em que entreguei minha vida ao Altíssimo. Ou você trava e não faz nada, ou liga o automático e vai até o fim”, disse.
Ele contou que, após horas de tiroteio, as forças russas recuaram da floresta para a cidade, que estava sob controle do exército de Moscou.
O brasileiro faz parte de um grupo de combatentes internacionais voluntários que somam cerca de 20 mil homens, segundo estimativas não oficiais. São poloneses, georgianos, franceses, alemães, britânicos, irlandeses, entre outras nacionalidades.
A maioria deles viajou para a Ucrânia pagando as próprias despesas, motivados por ideais de democracia e liberdade. Outros dizem que foram porque gostam de guerra ou pretendem adquirir experiência para trabalhar como mercenários no futuro.
Paulino morava na Grã-Bretanha e, ao saber da guerra da Ucrânia, pediu demissão do emprego e viajou para a zona de conflito. “Muitos me chamam de louco, mas eu vejo de outra forma. Eu jamais poderia ver uma situação dessas e ficar de braços cruzados, tendo a oportunidade de vir combater essa situação. Eu costumo dizer que aqui é a luta do bem contra o mal”, justificou.
Segundo outro combatente, que pediu para não ter o nome revelado, a burocracia do exército ucraniano tem prejudicado a luta. “Eu vim com meu dinheiro, não pedi nada para a Ucrânia, vim para defender o país. Quando me alistei, disseram que eu receberia um soldo de 3,5 mil euros por mês. Não era meu objetivo, mas achei que isso poderia ajudar nas despesas aqui. Só que o dinheiro nunca chegou”, alegou.
Os legionários receberam armas da Ucrânia, como fuzis de assalto e metralhadoras leves Kalashnikov - além de foguetes antitanque de fabricação americana (M72) e russa (RPG). “A gente está fazendo milagre com o equipamento que a gente tem. Muitos trouxeram de casa. O que o exército nos forneceu não é o melhor”, disse Paulino.
Muitos legionários estão tentando comprar equipamentos como rádios e miras sofisticadas para suas armas, mas é praticamente impossível achar esses itens em lojas da Ucrânia hoje.
“Quando matamos os russos, vemos que eles têm miras com visão noturna e equipamentos avançados de comunicação”, comparou o combatente anônimo.
A legião internacional está mais seletiva. Depois de vários episódios de combatentes que largaram suas armas e voltaram para seus países, agora só aqueles que têm experiência prévia de combate estão sendo aceitos.
Mas os voluntários que lutam por ideologia não são os únicos estrangeiros que estão lutando nas fileiras ucranianas. Mercenários de empresas militares privadas americanas também estariam no terreno, segundo o coronel da reserva Fernando Montenegro, autor do livro “Kid Preto”, sobre as Forças Especiais do Brasil. Montenegro passou semanas na Ucrânia fazendo pesquisa e análises militares para a rede CNN Portugal.
Segundo Montenegro, empresas como a Forward Observations Group e a Xe Services (ex-Black Water) teriam sido contratadas pelo Ministério da Defesa ucraniano. A este colunista, a Ucrânia disse que não pode dar informações específicas sobre suas tropas em tempos de guerra.
Apoio aos russos
Movimento similar está ocorrendo do lado russo. A empresa militar privada que mais tem atuado no terreno é o Wagner Group - um grupo de mercenários que ficou famoso por atuar em países africanos protegendo principalmente instalações de mineração que possuem investimentos russos. Em suas fileiras, há muitos militares que passaram pelas forças especiais russas.
Montenegro disse suspeitar ainda da presença na Ucrânia da empresa Vega, que atuou na Síria em apoio às forças do ditador Bashar al-Assad.
Além de operadores das empresas militares privadas, as tropas russas contam com tropas de outras regiões da Rússia, como os chechenos e os Iacult (famosos por sua atuação como tanquistas). Segundo analistas militares, essas tropas são colocadas na linha de frente porque não têm ligações culturais ou de parentesco com os ucranianos - diferentemente de muitos oficiais russos profissionais.
A Rússia chegou a afirmar que recorreria ainda a mercenários sírios para completar suas fileiras, mas eles não foram vistos em grande quantidade no campo de batalha até agora.
São unidades militares como essas que vêm sendo responsabilizadas pelos crimes de guerra apontados pela Ucrânia - como a execução de civis desarmados. Na quinta-feira (21), autoridades ucranianas afirmaram que mais de mil corpos de civis foram encontrados em cidades próximas a Kiev (que passaram por ocupação russa).
Porém, os combatentes internacionais de todos os tipos não têm capacidade de mudar o equilíbrio de forças. Mas sua presença gera grande impacto moral, seja como um incentivo ao exército regular - que se anima ao ver estrangeiros lutando por sua causa - ou como uma tentativa de amedrontar o adversário, como no caso dos chechenos, que ficaram famosos por usar muita violência no campo de batalha.
No momento, todas essas forças estão sendo reposicionadas e devem participar da Batalha de Donbass, pelo controle do leste da Ucrânia. A história desses combatentes na guerra da Ucrânia vai continuar.