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Jogos de Guerra

Jogos de Guerra

Coluna semanal com reportagens exclusivas sobre assuntos militares, indústria bélica, forças armadas, zonas de conflito e geopolítica, com o jornalista Luis Kawaguti. Assista também à live semanal no canal do YouTube da Gazeta do Povo.

“Guerra Fria 2.0”

Como fica a posição do Brasil na disputa militar entre China e EUA

Demonstração de aviões da força aérea chinesa, em evento em setembro (Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI)

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O governo brasileiro está tratando como “provável” um cenário de conflito militar entre chineses e americanos na região marítima ao sul da China. Se isso se concretizar, não haverá um alinhamento militar automático entre Brasília e Washington, segundo apurou a coluna Jogos de Guerra com a cúpula do governo.

Historicamente, o Brasil sempre esteve mais próximo dos Estados Unidos que das demais potências. O exemplo mais claro é a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália e a instalação de bases aliadas no Nordeste do Brasil durante a Segunda Guerra.

Essa proximidade não mudou. Um exemplo é que neste mês representantes da 101ª Airborne Division (unidade de elite do exército americano) estão no Brasil treinando com a Brigada Aeromóvel do Exército.

Mas a parceria comercial com a China não pode ser desprezada. Em 2020, a China contribuiu com US$ 33 bilhões (R$ 186 bilhões) do superávit da balança comercial brasileira. A participação dos Estados Unidos foi negativa, segundo dados do Icomex, boletim de comércio exterior ligado à Fundação Getúlio Vargas.

Mas o Brasil ficaria neutro ou se uniria a um dos lados em caso de conflito militar entre as duas potências?

Isso depende de quais interesses nacionais seriam contrariados ou quais vantagens poderiam ser obtidas em troca de apoio. Sim, estamos tratando aqui do fortalecimento de uma abordagem pragmática na política externa no governo do presidente Jair Bolsonaro.

No início do mandato do presidente, o alinhamento com Washington era quase incontestável. A guinada aconteceu após a derrota do presidente Donald Trump em 2020, com quem a família Bolsonaro mantinha uma relação estreita, na opinião do analista militar e capitão-de-fragata da reserva Robinson Farinazzo.

A coluna apurou no alto escalão do governo que a substituição do então chanceler Ernesto Araújo neste ano também deu mais liberdade para o Itamaraty atuar sem amarras de ideologia. Ou seja, embora a premissa de que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” ainda seja forte na área ideológica do governo, ela não direciona mais a política externa.

Ao menos é isso que o governo vem tentando demonstrar. Na última quinta-feira (2), Bolsonaro anunciou em sua live semanal que fará uma visita oficial ao presidente Vladimir Putin, da Rússia, entre janeiro e fevereiro de 2022.

Moscou e Washington vivem uma escalada de tensão militar na Ucrânia. Putin teme a proximidade da Otan (aliança militar ocidental) e concentrou mais de 100 mil tropas russas na fronteira do país. Nos bastidores, diplomatas tentam evitar um confronto aberto na Ucrânia.

E o que motivaria um conflito militar entre EUA e China?

Em resumo, um dos maiores objetivos da política externa chinesa é retomar o controle sobre o território autônomo de Taiwan (Formosa), que tem um governo independente da China continental desde 1949. A tensão militar na área é a mais alta em 40 anos, pois Pequim desconfia que Taiwan pretende fazer uma declaração unilateral de independência. Washington prometeu defender a autonomia de Taiwan, se necessário militarmente.

Mas não é só o futuro da ilha que está em jogo. Toda a região marítima ao sul da China é motivo de disputa entre as potências globais, devido à importância para o comércio marítimo internacional. Pequim disputa o controle de diversas ilhas na região com nações vizinhas, como o Japão e o Vietnã. Além disso, vem construindo ilhas artificiais para reclamar soberania sobre uma extensão maior de mar territorial.

Analistas internacionais avaliam que esse é um dos cenários mais prováveis para a próxima guerra naval entre nações, após a guerra das ilhas Falkland (chamadas Malvinas pelos argentinos), em 1982.

Após anos treinando seus Marines para caçar extremistas nos desertos do Oriente Médio, os Estados Unidos mudaram neste ano o foco do treinamento dos fuzileiros navais para sua missão original: invasões anfíbias de ilhas e regiões litorâneas.

Em parceria com a Grã-Bretanha, os EUA também prometeram fornecer submarinos de propulsão nuclear (com armas convencionais) para a Austrália nos próximos anos.

Já a China testa mísseis “matadores de porta-aviões” em modelos de tamanho real em campos de treinamento no deserto de Taklamakan, na região de Xinjiang. Eles reproduzem as características de navios de guerra americanos, como porta-aviões e suas embarcações de escolta.

Tudo isso ocorre em um contexto de intensa guerra comercial entre EUA e China, na qual cada nação tem imposto tarifas bilionárias sobre os produtos do concorrente.

Pequim entende que Washington estaria interessada em impedir os chineses de se consolidarem como uma potência econômica global. Os EUA acusam a China de abusos de direitos humanos contra minorias étnicas e práticas comerciais supostamente desleais e roubo de propriedade intelectual.

Alguns analistas já estão chamando esse cenário de "Guerra Fria 2.0” - embora o componente ideológico não esteja presente, como estava na disputa entre EUA e União Soviética no século 20.

E qual é a probabilidade dessa “Guerra Fria 2.0” se tornar “quente”?

O governo de Taiwan avalia que a China estaria pronta em 2025 para realizar uma invasão de larga escala na ilha. Mas não é possível descartar completamente a hipótese de que um incidente não planejado deflagre um conflito a qualquer momento.

A China faz incursões relativamente constantes no espaço aéreo de Taiwan que, por sua vez, coloca caças e defesas antiaéreas em alerta. Os EUA navegam na superfície e realizam patrulhas submarinas por regiões marítimas que a China considera dentro de sua área de influência. Analistas do governo brasileiro consideram um conflito na região como “provável”.

Pragmatismo da Segunda Guerra

Em 1942, não estava claro quem venceria a Segunda Guerra, os Aliados ou o Eixo. A Alemanha era um dos maiores parceiros comerciais do Brasil e vendia armas para o Exército - enquanto Washington relutava em fornecer equipamento militar.

O governo de Getúlio Vargas não havia se decidido por um lado. Mas interesses nacionais foram contrariados com o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães. E as vantagens falaram mais alto quando os EUA concordaram em financiar a construção da Companhia Siderúrgica Nacional - na época essencial para a industrialização do Brasil - em troca do alinhamento brasileiro.

O cenário atual é bem diferente e não é possível dizer por ora se os aliados do passado seriam os mesmos de agora. Mas o pragmatismo militar da época funciona como analogia ao posicionamento nos tempos atuais.

O Brasil tem na China um grande parceiro comercial, mas não quer adotar uma posição de submissão a essa condição. Uma das preocupações no campo militar é evitar que terrenos comprados por chineses no Brasil, para uso civil, sejam usados secretamente para fins militares.

Outra questão que atrai a atenção do governo é a participação da gigante de telecomunicações privada chinesa Huawei na implantação da internet 5G no Brasil.

A empresa foi acusada pelos americanos de poder ser usada por Pequim para fins de espionagem, mas isso nunca foi comprovado definitivamente. Washington impôs sanções à empresa desde 2019 e vem fazendo pressão diplomática pelo seu banimento em diversos países.

A Huawei nega que seus equipamentos vendidos a clientes internacionais possam ser utilizados pelo governo chinês para monitorar conversas de telefone, por exemplo. Os chineses atribuem as ações americanas à guerra comercial.

No Brasil, ela já é fornecedora de equipamentos para as principais operadoras de telefonia e bani-la poderia gerar prejuízos elevados. Na Grã-Bretanha, que vive situação similar, as operadoras de celular foram proibidas de adquirir novos equipamentos da Huawei.

A disputa na área do 5G é hoje o principal item da agenda da Casa Branca no Brasil. Durante o governo Trump, o Brasil recebeu a condição de “aliado extra-Otan”, condição que facilita a realização de treinamentos conjuntos com a aliança ocidental e o comércio de equipamentos militares com os americanos - mas só até certo ponto.

O passo seguinte seria o Brasil ser “aliado global” da Otan, o que aumentaria essas possibilidades. Nessa condição, por exemplo, as Forças Armadas poderiam comprar as versões mais modernas do helicóptero Black Hawk - que seria de importância fundamental para operações de defesa da Amazônia, por exemplo. Hoje o país tem apenas poucas unidades antigas desse helicóptero, compradas em 1997 para a participação em uma missão internacional de observadores no Peru e no Equador.

O governo diz que não pretende banir a Huawei por causa da pressão americana. Porém, não descarta a possibilidade, caso as supostas possibilidades de ações de espionagem alegadas por Washington sejam comprovadas.

Mas isso também não significa que Brasília vai deixar de perseguir a condição de “aliado global” da Otan. A diplomacia vem discutindo alternativas com esse objetivo.

Ou seja, para navegar nesse cenário de “Guerra Fria 2.0”, o Executivo tenta falar com o máximo possível de interlocutores e levantar as propostas mais vantajosas para o Brasil. Contudo, isso não é uma tarefa simples, pois tanto o governo, quanto o Congresso e a opinião pública sofrem grande influência de grupos pautados por ideologias específicas, que influenciam nas relações internacionais.

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