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Jogos de Guerra

Jogos de Guerra

Coluna semanal com reportagens exclusivas sobre assuntos militares, indústria bélica, forças armadas, zonas de conflito e geopolítica, com o jornalista Luis Kawaguti. Assista também à live semanal no canal do YouTube da Gazeta do Povo.

Invasão russa

Conheça as modernas armas antiaéreas enviadas pelo Ocidente para defender a Ucrânia

armas antiaéreas
Norwegian Advanced Surface to Air Missile System (Nasams). (Foto: Soldatnytt from Oslo, Norway - Øvelse Seapie/ Wikimedia Commons)

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A cada nova atrocidade da Rússia, o Ocidente tem enviado novas levas de armas mais modernas e poderosas para a Ucrânia. As mais recentes são baterias antiaéreas chamadas Nasams, de fabricação americana e norueguesa, e Iris-T, feitas na Alemanha. A ideia é tentar mudar o rumo da guerra protegendo a população das cidades e salvando a infraestrutura elétrica e de águas do país dos constantes ataques de mísseis russos.

O Nassams (sigla em inglês para Sistema Nacional Avançado de Mísseis Terra-Ar) é uma bateria formada por seis lançadores de mísseis de curto e médio alcance (aproximadamente 50 km) capazes de destruir mísseis de cruzeiro, drones e aeronaves. Washington prometeu entregar duas baterias nas próximas semanas e outras seis num futuro próximo.

O Iris-T SLM é uma bateria de mísseis alemã, similar ao Nassams, mas tão moderna que ainda não havia sido testada em combate. Ela é formada por ao menos três lançadores de mísseis capazes de atingir alvos a 40 km de distância e é considerada o estado da arte desse tipo de armamento. Uma delas já está na Ucrânia e outra deve ser entregue no ano que vem.

“No começo da guerra, nós pedimos aos nossos aliados do Ocidente para fechar os céus”, disse à coluna Jogos de Guerra, Serhii Bratchuk, porta-voz da Administração Militar de Odesa, na Ucrânia.

Ele se referiu ao pedido que os ucranianos fizeram à Otan (aliança militar ocidental) para criar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia. A ideia era impedir a Rússia de usar mísseis e aviões militares, mas a solicitação não foi aceita - pois combates entre pilotos da Otan e da Rússia poderiam sugar a Otan para o conflito e deflagrar nova guerra mundial.

"Mas agora as coisas mudaram. Estamos pedindo a eles sistemas modernos de defesa antiaérea e antimísseis, para que possamos nos defender por nós mesmos”, disse Bratchuk.

“Neste momento, a Ucrânia não está apenas se defendendo, ou defendendo a Europa, estamos protegendo o mundo inteiro contra a agressão russa, incluindo o Brasil, e por isso esse apoio é tão crucial e importante”, disse ele.

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Críticos da Ucrânia e seus aliados afirmam que a Otan teria provocado a guerra ao se expandir em direção a países que a Rússia acreditava ser sua área de influência. Esses costumam comparar o cenário atual à crise dos mísseis de Cuba, quando em 1962 a então União Soviética iniciou a instalação de mísseis na ilha próxima dos Estados Unidos.

Contudo, a crise dos mísseis foi resolvida diplomaticamente e não resultou em guerra entre potências. Em 2022, Moscou optou pela via militar para resolver o que considerava uma agressão.

Mas essa é uma visão limitada do processo. Em um ensaio publicado em 2021, o presidente russo Vladimir Putin já delineava suas pretensões expansionistas para levar as fronteiras da Rússia a regiões que fizeram parte do país em sua era imperial, entre os séculos 18 e 20.

No ensaio, Putin fala do suposto direito de proteger cidadãos russos em territórios que hoje pertencem a países como Ucrânia, Moldávia e Cazaquistão.

Mas a Rússia czarista dominava total ou parcialmente territórios que hoje pertencem a países como Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Polônia, Ucrânia, Finlândia, Moldávia, Armênia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Tadjiquistão e até o Alasca. Ou seja, não se sabe até onde Putin desejava ir até esbarrar na resistência ucraniana e do Ocidente.

A evolução dos envios de armamento

Sem desmerecer a bravura dos soldados ucranianos, é possível dizer: sim, esta também é uma espécie de guerra por procuração, onde Rússia e Otan se enfrentam indiretamente.

Mesmo antes da invasão, em 24 de fevereiro, empresas de tecnologia ocidentais ajudaram o governo da Ucrânia a transferir seus dados armazenados em data centers (centrais de computador) para equipamentos espalhados pela Europa e Estados Unidos - a chamada nuvem. Assim, os primeiros bombardeios que atingiram prédios públicos do país não foram capazes de parar sistemas de transporte, financeiros e de áreas estratégicas para o funcionamento do país. Esse foi um dos primeiros envios de ajuda do Ocidente.

Quando colunas de blindados rumaram para Kyiv em fevereiro, após o início da invasão, a Ucrânia recebeu bazucas modernas (M72) e os chamados Javelins - lançadores de foguetes portáteis capazes de destruir “tanques" russos com relativa facilidade. Os helicópteros de ataque russos foram combatidos com mísseis portáteis terra-ar Stinger e Starstreak, também mandados pelos Estados Unidos e Reino Unido.

Mas os sucessivos pedidos ucranianos pelo fechamento dos céus foram ignorados. Planos para transferir aviões de caça poloneses para a Ucrânia foram abandonados frente às ameaças russas de escalada da guerra para outros países da Europa.

Após sofrer sucessivas baixas, as tropas russas se retiraram do norte do país sem conseguir tomar Kyiv no final de março. Mas o rastro de covas coletivas de civis e casos de assassinatos e tortura revelados assim que mais de 180 vilas e cidades foram liberadas causaram repulsa no Ocidente. Isso fez aumentar o apetite de Washington e seus aliados para fornecer novas e mais potentes armas à Ucrânia.

Uma linha vermelha, que antes não se pensava em cruzar, foi ampliada com o envio à Ucrânia de blindados e baterias antiaéreas de projeto soviético que pertenciam a países da Otan, além de peças de artilharia, mísseis navais e drones kamikazes.

No começo da guerra, os armamentos ucranianos - e até as fardas dos soldados - eram 90% herdados do período soviético. Hoje, as forças ucranianas se parecem muito mais com os exércitos padrão Otan, mas com uma mistura de tipos de armamentos que causarão no futuro um pesadelo de manutenção e logística.

A partir de abril, as forças russas se voltaram para a região de Donbas, no leste. A superioridade numérica da artilharia de Moscou propiciou avanços rápidos e uma sensação de derrota irremediável da Ucrânia. Os russos atiravam chuvas de granadas à distância e os ucranianos não conseguiam revidar à altura. Seus combatentes nem conseguiam mais ver os russos, que disparavam as granadas à distância.

A resposta do Ocidente foi estender ainda mais a fronteira dos armamentos. Peças de artilharia à altura da Rússia, os chamados Triple Seven americanos, começaram a chegar na Ucrânia.

Mas a arma que virou o jogo foi o americano Himars M142 (sigla para Sistema de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade). Cerca de 20 deles teriam sido enviados para a Ucrânia. São armas de artilharia mais modernas que as usadas pelos russos. Com sua alta precisão, permitiram aos ucranianos abater baterias, depósitos de munição e postos de comando inimigos situados a mais de 70 km de distância. O jogo começou a virar.

Graças a informações de inteligência ocidentais, os ucranianos lançaram uma grande contraofensiva no nordeste do país em setembro, liberando praticamente toda a província de Kharkiv e avançando para reconquistar territórios tomados pelos russos em Luhansk.

Essa contraofensiva tomou vastas regiões em poucas semanas graças a um blindado de artilharia alemão chamado Gepard. Avançando ao lado de blindados convencionais, ele forneceu proteção antiaérea para a rápida manobra ucraniana.

A Rússia respondeu com uma mobilização de mais de 300 mil recrutas e com ataques massivos de mísseis às cidades e infraestruturas de geração e distribuição de energia elétrica e água a partir de 10 de outubro.

A Ucrânia diz que 40% de suas estruturas elétricas foram destruídas e sistemas de blackouts programados começaram a ser implementados para economizar energia. Só na última quinta-feira (3), mais de 4,5 milhões de pessoas ficaram sem luz após ataques russos.

É nesse contexto que surgiram os envios dos Nassams e Iris-T: para evitar que a população seja punida com bombardeios de cidades e com a falta de eletricidade e água no rigoroso inverno europeu.

Até então, a Ucrânia tinha defesas antiaéreas do tipo S-300 (similares às usadas pela Rússia). Elas são formidáveis para abater aviões de média a longa distância, mas não são a arma ideal para conter mísseis de cruzeiro. Muitas vezes, pilotos de caça levantavam voo em missões quase suicidas para tentar abater os mísseis russos antes que atingissem as cidades.

As novas baterias antiaéreas americanas e alemãs serão usadas para a defesa contra esses mísseis. Segundo levantamento do governo ucraniano, a Rússia lançou mais de 4.500 mísseis de cruzeiro contra a Ucrânia desde o início da guerra. Se tornou comum nas cidades ucranianas ouvir alertas de ataques aéreos e em seguida o som de explosões - que podem ser do míssil sendo abatido ou atingindo seu alvo.

Além disso, há a ameaça dos drones kamikazes, tipo Shahed, vendidos à Rússia pelo Irã. Eles são pequenos aviões carregados com explosivos equivalentes a três granadas de artilharia que manobram no ar até atingir seu alvo. Cerca de 2.500 foram negociados com a Rússia e até agora ao menos 400 deles foram lançados. A Ucrânia diz ter abatido cerca de 300.

A defesa contra os drones é feita com todo tipo de artilharia, desde as baterias mais avançadas até os lançadores de mísseis antiaéreos portáteis.

Para defender as estruturas críticas de geração de energia e distribuição de comida para consumo interno e exportação, a Ucrânia tem usado, entre outros recursos, os blindados Gepard, voltados para defesa antiaérea. O problema é que as munições para esses blindados estão acabando. E é aí que o Brasil é envolvido.

O ministro da defesa ucraniano Oleksiy Reznikov fez um apelo ao governo e ao povo brasileiro que enviem esse tipo de munição para a Ucrânia defender sua estrutura elétrica e centros de logística de distribuição de alimentos. Segundo ele, só o Brasil e a Suíça possuem quantidade suficiente dessas munições para uma ajuda imediata.

O problema é que o ponto fraco do Brasil é a defesa antiaérea. O país só tem equipamentos de curto alcance e depende quase na totalidade dos aviões da Força Aérea para cumprir o papel. Fora isso, o país não quer ficar mal com a Rússia para não ter suprimentos de fertilizantes cortados.

Defesa completa?

Mesmo que a Ucrânia obtivesse as munições do Brasil e os sistemas Nassams e Iris-T em quantidade suficiente ela estaria completamente protegida dos ataques aéreos?

Não necessariamente. O desafio das defesas antiaéreas é lidar com uma grande quantidade de mísseis e drones atuando ao mesmo tempo. Assim, eles podem sofrer um processo chamado de saturação. A Rússia parece estar padecendo de escassez de mísseis e drones, mas fechou acordos de suprimento com o Irã.

Além disso, Moscou possui a tecnologia de mísseis hipersônicos. Até hoje não há notícias de que mísseis desse tipo tenham sido interceptados por qualquer defesa antiaérea conhecida.

Em tese, as baterias antiaéreas também não seriam capazes de proteger a Ucrânia contra o uso de armas nucleares táticas (de capacidade de destruição limitada a um décimo ou metade do poder destrutivo da bomba de Hiroshima). Essas armas podem ser disparadas não só nos mísseis hipersônicos, mas também a partir de granadas de artilharia e em grande quantidade.

Ou seja, não é possível atualmente impedir um ataque nuclear com defesas antiaéreas, mas sim com dissuasão nuclear ou convencional e pressão política.

Assim, os novos envios de armamentos estão muito mais focados em resolver um problema imediato da Ucrânia: impedir um sofrimento ainda maior da população com bombardeios e com a falta de energia durante o inverno.

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