A decisão da Opep+ (Organização dos Países Produtores de Petróleo mais a Rússia) de cortar a produção mundial de petróleo em 2 milhões de barris por dia não é suficiente para garantir os recursos para a Rússia financiar sua guerra na Ucrânia. Porém, ela aponta para um possível alinhamento entre Moscou e países árabes - especialmente a Arábia Saudita - que pode ter uma influência significativa no equilíbrio de poder no planeta.
Mas o que é a Opep+ e qual foi o acordo firmado na última quarta-feira (5)?
A Opep reúne países como Arábia Saudita, Iraque, Kuwait, Irã, Venezuela, Catar, Emirados Árabes, além de países exportadores de petróleo na África e América do Sul. São 23 ao total. Em 2016, a Rússia foi adicionada temporariamente ao grupo e por isso se usa o termo Opep+.
Eles decidiram diminuir a produção mundial de petróleo diária em 2% (o mundo produz cerca de 100 milhões de barris por dia). Isso já causou em dois dias 4% de aumento do preço do petróleo. O barril do tipo Brent foi cotado a US$ 97,92 na sexta-feira (7).
Mas a ação ocorre em meio à maior crise energética do século, que começou em 2021 (por diversos motivos, entre eles a transição para a energia limpa) e foi agravada pela invasão da Rússia à Ucrânia.
O petróleo e o gás natural russos vêm sofrendo um boicote dos Estados Unidos e de seus aliados europeus por meio de sanções. A ideia do Ocidente era cortar a fonte de financiamento de Moscou para a guerra. Mas isso não aconteceu. As sanções levaram a uma alta generalizada do preço do petróleo e, mesmo vendendo menos energia, a Rússia conseguiu manter suas fontes de receita.
O petróleo chegou a atingir o preço de US$ 120 neste ano, mas os Estados Unidos agiram liberando grandes quantidades de sua reserva estratégica. Em paralelo, houve uma desaceleração econômica na China e a Índia passou a importar mais petróleo da Rússia (em parte para refiná-lo e exportá-lo novamente, tentando tentar burlar as sanções americanas). Em agosto, o preço caiu para menos de US$ 90 por barril.
Oficialmente, a decisão da Opep+ não é justificada como um apoio para a guerra da Rússia. Os países produtores de petróleo estão prevendo um cenário global de piora da economia, com aumento de juros e eventualmente uma recessão global. Isso tem a possibilidade de derrubar a demanda por petróleo e consequentemente também o preço da commodity. A decisão de cortar 2 milhões de barris da produção diária seria uma espécie de antecipação, uma tentativa de evitar essa desvalorização.
“A redução de 2% tem um efeito mais psicológico do que prático, mas mostra que a Rússia tem influência no grupo de países produtores de petróleo”, afirmou o engenheiro Armando Cavanha. Ele atuou na Petrobras por 33 anos, foi CEO de multinacionais de energia e hoje é orientador acadêmico na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e autor do canal Cavanha.com.
A aproximação de Moscou com as lideranças da Opep pode ser entendida como uma derrota para o presidente americano Joe Biden na diplomacia internacional. Durante sua campanha pela presidência americana, Biden criticou o príncipe e premiê saudita Mohammed Bin Salman (conhecido internacionalmente como MBS) por seu envolvimento no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, do Washington Post. Mas, em julho deste ano, Biden teve que visitar o príncipe e cortejá-lo - para pedir que a Opep aumentasse sua produção de petróleo a fim de aliviar os preços dos combustíveis.
A Arábia Saudita é uma das principais lideranças da Opep (a líder, na prática) e um aliado histórico dos Estados Unidos. Contudo, a decisão de quarta-feira mostra que essa parceria não anda tão bem como Biden gostaria.
“O mundo está em transformação. Estamos vivendo uma ordem mundial multilateral e policêntrica. Não é mais a ordem em que os Estados Unidos tocam sozinhos a banda, quer dizer, não é mais a ordem que reinou desde o pós-Guerra Fria”, disse o cientista político e professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Costa Júnior.
“Os países estão se alinhando de acordo com seus interesses nacionais. Isso fortalece o Irã, a Rússia e a Venezuela - há também hoje uma parceria sino-russa. Já os países muito alinhados não se mostram mais tão fechados com Washington. Há 20 anos isso seria impensável”, afirmou.
Para tentar conter os preços do petróleo, os Estados Unidos passaram a liberar cerca de 1 milhão de barris por dia de sua reserva estratégica. Mas ela caiu de cerca de 630 milhões no início do ano para 416 milhões de barris no final de setembro. A liberação deve acabar em novembro, pois Washington não pode esgotar completamente sua reserva por questões estratégicas e militares.
Os EUA também não conseguem aumentar rapidamente sua própria produção, calculada em aproximadamente 11 milhões de barris por dia. Eles levariam mais de dois anos para conseguir uma elevação significativa. Ao mesmo tempo, segundo Cavanha, o governo Biden proibiu a prospecção de novos poços de petróleo dentro de sua política de transição energética.
Como medida emergencial, ele anunciou a liberação de mais 10 milhões de barris da reserva estratégica logo após o anúncio da Opep+. Biden teme que preços altos na gasolina possam prejudicar o desempenho de seus aliados políticos nas eleições para o Congresso dos EUA, que ocorrerão em novembro.
A Opep, que tem uma produção aproximada de 41 milhões de barris diariamente, teria condições de ampliar rapidamente sua produção - mas parece que não é isso que vai acontecer, como a decisão de quarta deixou claro.
Para agravar a situação do petróleo, países europeus pretendem substituir o gás natural que não é mais importado da Rússia por petróleo para geração de energia elétrica.
Washington e seus aliados do G7, as maiores economias do planeta, tentam então combater a alta do petróleo a curto prazo impondo um controle de preços sobre a exportação do petróleo russo. A ideia é estabelecer um preço máximo pelo qual o petróleo russo pode ser vendido - freando assim os lucros que Moscou usa para financiar a guerra. O preço do barril ficaria bem abaixo dos atuais US$ 97, mas ainda acima dos custos de produção.
Mas isso é de difícil implementação. Países compradores teriam que aceitar fazer parte desse tipo de cartel. Para forçá-los, EUA e União Europeia (UE) tentarão impor restrições a companhias de seguros marítimos, cuja atuação permite o transporte naval de mercadorias. Mas, mesmo dentro da União Europeia, essa medida é polêmica e tem enfrentado resistência - da Itália, por exemplo.
Em teoria, se o congelamento de preços der certo, a Rússia vai perder dezenas de bilhões de dólares anualmente. Porém, outra corrente de analistas diz que a medida pode tornar a logística do petróleo mais cara e fazer o preço voltar a subir. Além disso, Biden e seus aliados vão ter que contar com a diplomacia para convencer países fora da União Europeia a aderir à medida.
Um dos principais países opositores é a China, que diz que o petróleo é um item importante demais para ser submetido a controle de preços.
A tentativa dos EUA e da UE de congelar preços pode ser ainda um dos fatores que motivaram a Opep a apoiar a Rússia ao diminuir a produção de petróleo.
Mas o presidente Biden pode acabar vencendo a queda de braço se uma queda global da economia se configurar e a demanda por petróleo cair.
A longo prazo, ele parece apostar na transição da energia fóssil para a energia limpa e os EUA pretendem colocar ao menos US$ 600 bilhões no setor. Mas isso não só não ocorre de uma hora para outra, como vai depender da capacidade dos EUA adquirirem terras raras, tipos de minérios que praticamente só são produzidos na China por gerarem elevados graus de poluição em sua extração. Eles são a base para as tecnologias verdes.
Assim, a impressão que fica sobre a medida da Opep+ de reduzir a produção de petróleo é que o Kremlin parece buscar uma parceria com a Arábia Saudita na área energética. Se isso acontecer, será difícil para Washington impor mais sanções à Rússia.