Movidos pela propaganda na TV e pela característica própria da idade, centenas de jovens ucranianos estão certos de que seu país sairá vitorioso do conflito com a Rússia. Por isso, eles estão procurando formas de ajudar no esforço de guerra, orientando refugiados, distribuindo comida e até pegando em armas, se necessário.
"Eu tenho cem por cento de certeza que vamos vencer, porque a guerra está no nosso país. Foram os russos que vieram para a Ucrânia, nós não entramos no território deles. Então, a verdade está do nosso lado”, afirmou Rostislav, um jovem de 23 anos, que pediu para não ter o sobrenome revelado por questão de segurança.
"Os soldados ucranianos têm uma grande motivação e os russos lutam por nada. Nosso exército luta por todas as pessoas na Ucrânia", disse. Ele é motorista e morador de Lviv, a maior cidade do oeste da Ucrânia, que ainda não foi afetada pela guerra.
Rostislav contou que seu irmão mais velho se alistou no exército ucraniano logo após separatistas russos invadirem a região de Donbas, no leste do país, em 2014. Milhares de jovens fizeram o mesmo naquela ocasião. Os militares ganharam prestígio no país e ascenderam para classes socais mais altas desde então.
Os canais de TV ucranianos não param de transmitir notícias sobre a guerra. A maioria das imagens mostra blindados russos destruídos, prédios civis arrasados e cenas de soldados ucranianos lutando de forma altiva e determinada. Também são atualizadas a cada dia as estatísticas de militares e veículos russos abatidos.
Em paralelo, o presidente Volodymyr Zelensky tem usado as redes sociais e a TV para convocar a população para o esforço de guerra. Ele disse que todos devem ajudar, e quem quiser armas para defender seu país as receberá.
Todos esses elementos somados a um patriotismo e heroísmo característico dos povos eslavos têm criado um clima de euforia de guerra - ao menos no oeste do país, que ainda não foi afetado seriamente pelos combates.
Em alguns casos, menos comuns, essa euforia beira a imaturidade. "O mundo vai tirar tudo o que os russos têm. Eles não vão ter Spotify, Netflix, lojas de roupas estrangeiras”, disse outro jovem animado, que me abordou na rua em Lviv e não se identificou.
Eles parecem confiar totalmente nas declarações das autoridades ucranianas, inclusive na informação não comprovada que diz que as forças russas já teriam exaurido cerca de 80% de sua capacidade nos primeiros dias de guerra.
Ao ser questionado sobre o andamento da guerra, praticamente qualquer jovem ucraniano dirá que as tropas russas são compostas praticamente por jovens de 18 anos inexperientes, recrutados pelo serviço militar obrigatório. Também afirmarão que os russos estão perdidos e ficaram pelo caminho sem gasolina e sem comida. É isso que as redes sociais ocidentais estão mostrando.
A maioria dessas assertivas são parte do que se chama “guerra de informação”. Ninguém comprovou a informação do governo ucraniano de que os russos já estariam com suas forças exauridas. Segundo a BBC, 90% dos cerca de 200 mil militares mobilizados para a invasão já estão em território ucraniano e não há informações de que suas linhas de suprimento logístico tenham sido interrompidas.
Os números de baixas e de veículos destruídos divulgados por ambos os lados são algo praticamente impossível de checar durante a guerra.
A informação de que a maioria dos militares russos são jovens inexperientes provavelmente é falsa. Desde 2008, a Rússia vem passando por um profundo processo de modernização de suas tropas. Elas deixaram de ser baseadas em conscritos (serviço militar obrigatório) e passaram a se embasar na contratação de militares profissionais, em sua maioria.
Os equipamentos militares também passaram por um grande processo de modernização, segundo dados do think tank Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
Ou seja, com pouco mais de 10 dias de invasão ainda é muito cedo para fazer previsões para o desfecho da guerra. Na guerra do Iraque, em 2003, os Estados Unidos levaram cerca de três semanas para entrar em Bagdá e seis dias para tomá-la.
Por outro lado, analistas ocidentais também afirmam que a invasão não estaria saindo como o presidente Vladimir Putin havia planejado. Uma tomada rápida e definitiva de Kiev não se concretizou até agora e o cenário parece apontar para uma guerra de resistência de longa duração.
Deixando de lado as peças de propaganda, as forças ucranianas de fato têm oferecido uma resistência feroz que aparentemente surpreendeu os russos.
Em resumo, Putin tem grandes chances de vencer militarmente. Mas, a longo prazo, o conflito pode exaurir as finanças da Rússia e fazer do país um pária internacional, sem acesso a financiamentos externos e tecnologia de ponta. Isso pode se configurar em uma derrota política pesada para o presidente russo.
Enquanto o cenário não se define, milhares de jovens, muitos deles desempregados, têm procurado formas de ajudar. Os homens não são autorizados a deixar o país. Enquanto alguns vão lutar nas milícias de defesa territorial ou na resistência de Kiev, outros se voluntariam para orientar refugiados ou ficam andando pela cidade em busca de trabalho.
Mesmo os que decidem pegar em armas, por ora, não são mandados diretamente para a linha de frente. Eles estão sendo usados em tarefas como fazer patrulhamento no interior do país ou guarnecer barreiras nas estradas. Mas, essa situação deve mudar quando a Batalha de Kiev se intensificar.
As mulheres assumem funções ligadas à logística e organização. Uma delas é Irina, que também só revelou seu primeiro nome. Ela disse que decidiu não deixar o país, mesmo estando a poucos quilômetros da fronteira.
“Sou uma cidadã de Lviv e me orgulho muito disso”, disse. Ela trabalha como voluntária em frente às estações de trem e ônibus de Lviv, em uma tenda de apoio mantida por moradores locais. Irina fornece informações para viajantes, ajuda a preparar ônibus com refugiados para a fronteira, organiza e faz a contagem de pessoas nas filas de embarque e distribui chá e café quente.
“As pessoas chegam aqui assustadas, desconectadas da realidade, muitos não param de chorar. Às vezes soam as sirenes (alertando pra ataques aéreos), mas não vamos para os abrigos porque há muito trabalho para se fazer aqui”, disse.
“Eu chego em casa de noite, vejo o noticiário e começo a chorar, me sinto impotente. Como não posso ajudar o Exército da Ucrânia”, disse ela.
Cada um a seu modo, Irina e Rostislav são exemplos da euforia causada pelo início da guerra - especialmente nas cidades que não passaram por bombardeios mais pesados. Eles dizem ter fé que a Ucrânia sairá vitoriosa.
Ao me despedir de Irina, ela diz: “precisamos de pessoas que rezem pela Ucrânia” e me dá um abraço. Em seguida, ao entrevistar Rostislav, faço uma pergunta antes de me despedir: “você sabe que essa história das forças russas estarem exauridas é propaganda, não sabe?”
A resposta: “Sim, eu sei, mas se nós não acreditamos nisso, todos vão ficar desesperados, principalmente os mais velhos”.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
A gestão pública, um pouco menos engessada